Por Gazeta do Povo
Um em cada quatro jovens brasileiros não estuda nem trabalha. (Foto: Imagem criada utilizando Dall-E/Gazeta do Povo)
O Brasil enfrenta uma crise silenciosa e custosa: mais de 10 milhões de jovens entre 18 e 24 anos – um em cada quatro – estão fora do mercado de trabalho e não estudam, compondo a “geração nem-nem”.
Enquanto a média mundial de jovens que pertencem à geração “nem-nem” gira em torno de 15% e países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mantêm o índice em 13%, o Brasil amarga 24% da população nessa faixa etária completamente fora do mercado produtivo. Os dados foram divulgados pela organização na semana passada.
Essa inatividade de alto custo não apenas drena bilhões da economia anualmente em produtividade e arrecadação, como compromete o futuro desses jovens, lançando-os em um estado de vulnerabilidade e afastando o país dos padrões de desenvolvimento da OCDE.
Algum progresso vem sendo realizado pelo Brasil. Saindo de 30% de jovens nem-nem em 2019 para os atuais 24%, a velocidade dessa melhoria é, contudo, insuficiente diante da urgência do problema.
A distância de dez pontos percentuais da média da OCDE representa uma geração inteira perdendo oportunidades de formação de capital humano no período mais crítico para definir trajetórias profissionais e contribuições produtivas à sociedade.
A disparidade de gênero agrava o cenário. Enquanto países da OCDE registram taxas similares entre homens e mulheres, o Brasil apresenta 29% das jovens mulheres na condição “nem-nem”, enquanto entre os homens o índice é de 19%. Essa diferença indica que responsabilidades familiares e culturais erguem barreiras que afastam as mulheres da educação e do mercado de trabalho de forma desproporcional.
Independentemente do gênero, a situação da geração “nem-nem” compromete trajetórias profissionais permanentemente para esses jovens. Eles enfrentam dificuldades para conseguir emprego formal, recebem remuneração menor e correm risco de marginalização social. Para a economia, isso acarreta perda de produtividade, menor arrecadação tributária e forte pressão sobre sistemas de assistência social.
Lacuna educacional freia o Brasil: geração “nem-nem” reflete deficiência
O problema causado pela geração “nem-nem” reflete deficiências profundas no sistema educacional brasileiro, com impactos diretos na produtividade e distribuição de renda do país. No Brasil, 27% dos jovens adultos (25-34 anos) não concluíram o ensino médio em 2023, quase o dobro da OCDE.
Essa lacuna educacional gera consequências estruturais: apenas 64% dos jovens sem ensino médio estão empregados, contra 75% dos que têm formação completa.
Além disso, 59% dos trabalhadores sem ensino médio recebem menos da metade da renda mediana do Brasil, comparado a apenas 28% na OCDE, evidenciando grande desigualidade salarial.
Ensino técnico cresce, mas está distante de padrões da América Latina
O ensino técnico, fundamental para o desenvolvimento de mão de obra especializada, cresceu de 8% para 14% dos alunos do ensino médio entre 2013 e 2023, mas ainda representa um terço da média da OCDE e é inferior à de outros países latino-americanos.
As reformas do Novo Ensino Médio buscaram flexibilizar a educação vocacional, porém o caminho para resultados mais ambiciosos permanece longo, aponta a organização.
Só um em cada quatro jovens adultos tem faculdade
Os desafios, contudo, não se limitam ao ensino médio. A situação também é problemática no ensino superior. Apenas 24% dos jovens adultos têm essa qualificação, menos da metade do índice verificado nos países da OCDE.
Três quartos dos que entram em faculdades e universidades no Brasil tiraram pelo menos um ano sabático (gap year) entre o ensino médio e a universidade, um número bem acima da média de 44% da OCDE. Embora possa ter benefícios individuais, essa situação levanta questões sobre o planejamento e a transição para a vida acadêmica.
Outras preocupações relacionadas ao ensino superior estão relacionadas ao tempo de conclusão. Apenas 38% dos estudantes concluíram a faculdade no tempo mínimo. Mesmo com três anos adicionais, essa taxa sobe para 49%, enquanto na OCDE, as taxas são de 43% e 70, respectivamente.
A evasão no primeiro ano de cursos de bacharelado no Brasil é de 25%, quase o dobro da média da OCDE (13%). Isso pode indicar uma desconexão entre as expectativas dos alunos e a realidade dos cursos, talvez por falta de orientação vocacional ou de apoio adequado aos calouros.
Apenas 1% dos jovens adultos tem mestrado, muito abaixo da média de 16% da OCDE. A falta de profissionais com formação avançada pode limitar a inovação e o desenvolvimento em áreas estratégicas do país.
O ensino superior no Brasil oferece um retorno financeiro significativamente alto, comparativamente aos países da OCDE. No Brasil, trabalhadores com esse nível educacional ganhavam, em média, 148% mais que os que tinham ensino médio completo em 2023. Nos países que fazem parte da organização, essa diferença é de 54%.
A OCDE aponta que essa disparidade salarial no Brasil revela tanto a valorização da educação quanto a alta desigualdade no país.
Investimento educacional total supera o da OCDE, mas por aluno é muito inferior
Os dados da OCDE mostram que o Brasil enfrenta um problema educacional que revela muito sobre os desafios estruturais do país: apesar de destinar uma parcela significativa de seu PIB à educação — superior à média dos países desenvolvidos —, o investimento por aluno permanece dramaticamente baixo.
O Brasil destina 4,3% de sua economia ao financiamento público da educação (fundamental ao superior), superando a média de 3,6% da OCDE. Mas o gasto público anual por aluno, excluindo pesquisa e desenvolvimento, é de apenas US$ 3.762, representando cerca de um terço da média da OCDE, que investe US$ 15.102 por estudante.
O alto percentual do PIB comparativamente ao baixo gasto por aluno aponta para um problema estrutural: a diluição do investimento pela grande população estudantil brasileira.
Agravando esse cenário, os dados revelam uma tendência preocupante. Entre 2015 e 2021, o gasto público em educação no Brasil diminuiu 2,5% ao ano, contrastando com o aumento anual de 2,1% registrado na OCDE no mesmo período. Simultaneamente, a participação da educação no orçamento governamental encolheu de 11% para 10,6%, sinalizando uma perda de prioridade política do setor.
Alguns indicadores, entretanto, vêm melhorando nos últimos anos. As matrículas de crianças de até dois anos aumentaram de 16% para 25% do total, mesmo considerando que a gratuidade da educação infantil começa aos quatro anos. Mesmo com crescimento, os números são baixos para os padrões da OCDE.
No último ano antes do ensino fundamental, 90% das crianças brasileiras estão matriculadas, índice ligeiramente inferior aos 96% da OCDE.
Outro indicador favorável ao Brasil é a redução no tamanho das salas: a média de 20 alunos por turma em 2023 representa redução de três estudantes desde 2013. Contudo, a carga horária brasileira de 800 horas anuais no ensino fundamental permanece inferior aos padrões internacionais.
Nos países da OCDE, a média no fundamental I (equivalente até o quinto ano no Brasil) é de 804 horas, e no fundamental II (do sexto ao nono ano) é de 909 horas.