Decisão atende pedido dos réus, que solicitaram que julgamento fosse feito por juiz criminal. Ainda cabe recurso ao STJ
O Tribunal de Justiça (TJ) gaúcho decidiu nesta sexta-feira (1º) que os réus do processo principal da tragédia da boate Kiss não serão julgados pelo Tribunal do Júri, mas sim por um juiz criminal de Santa Maria. A decisão foi tomada em sessão do 1º Grupo Criminal, após três horas de julgamento dos embargos infringentes movidos pelos advogados de Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. O placar terminou empatado, 4 a 4, o que acabou beneficiando os réus. Com a decisão, o dolo eventual (quando se assume o risco) foi afastado e o processo voltará para ser julgado por outro crime, que não seja com dolo, podendo ser homicídio culposo e incêndio.
O julgamento
O primeiro a votar foi o relator, desembargador Victor Luiz Barcellos Lima, que acolheu os embargos. Segundo ele, não há elementos suficientes que o convençam de que os réus assumiram o risco de provocar as 242 mortes e os 636 feridos durante o incêndio em 27 de janeiro de 2013.
— Não se pode ser justo com a sociedade quando não se é justo com cada cidadão — disse o desembargador, numa referência aos réus.
Durante o voto do magistrado, que desde o início indicava que acolheria os recursos, familiares que acompanhavam a sessão se abraçavam e choravam, dizendo não acreditar no que estavam ouvindo. Após o voto de Lima, a revisora, desembargadora Rosaura Marques Borda, divergiu do relator, citando tragédias semelhantes pelo mundo em que os réus foram julgados por homicídio doloso.
— Estou convicta de que o caso tem que ser julgado pelo Tribunal do Júri.
A desembargadora foi acompanhada pelo presidente do 1º Grupo Criminal, Sylvio Baptista Neto, e pelos desembargadores Jayme Weingärtner Neto e José Antônio Cidade Pitrez. Já os desembargadores Manuel José Martinez Lucas, Luiz Mello Guimarães e Honório Gonçalves da Silva Neto seguiram o relator. O voto divergente de Lucas no julgamento ocorrido em julho, na 1ª Câmara Criminal, foi o que permitiu que os réus movessem os embargos infringentes ao 1º Grupo Criminal, formado pela 1ª e 2ª câmaras. Dois magistrados não estiveram presentes. Caso houvesse unanimidade naquele julgamento do meio do ano, esse tipo de recurso não seria possível.
O que dizem os familiares das vítimas
Vanda Corso, mãe de Vitória, uma das vítimas da tragédia, era a mais inconformada com o resultado. Ela chegou a abordar o relator ao final do julgamento, já fora da sala onde ocorria a sessão.
— O senhor não esteve lá no dia 27. O senhor não reconheceu o corpo da sua filha como eu reconheci. Então é impossível dizer que não houve dolo — disse Vanda ao magistrado, que se limitou a dizer que lamentava muito e deixou o local.
Para o advogado dos familiares e assistente de acusação, Pedro Gonçalves Barcelos Júnior, os desembargadores que acolheram os embargos se equivocaram.
— Os caras colocaram fogo dentro de uma boate, sabiam que tinha espuma. Sabiam que estava lotado. Tinha corrimão que não dava para as pessoas saírem. A boate era um labirinto. Quem não conhecia a boate, não conseguia sair dela no escuro.
O que diz o Ministério Público
O procurador de Justiça Silvio Munhoz adiantou que o Ministério Público vai recorrer.
— Não concordo com a tese que acabou vencedora, mas adianto aos familiares que vou pedir a interposição de recurso ao STJ para que mude essa decisão. Acho que há uma grande possibilidade de que o Superior Tribunal de Justiça reverta essa decisão.
O que dizem os réus
Os réus não estiveram presentes na sessão. O advogado de Mauro Hoffmann, Mário Cipriani, disse que a defesa recebe o resultado “com serenidade, com respeito e com alegria de ter ocorrido um julgamento técnico e que retrata o que realmente aconteceu”. Para Omar Obregon, advogado de Marcelo de Jesus dos Santos, não houve surpresa.
— Desde o começo, na formação do inquérito, a gente já sabia que isso não poderia prosperar dessa forma, como crime doloso.
— O voto divergente no julgamento do recurso no sentido estrito deu margem para que a gente ingressasse com embargos infringentes, alegando o que a gente entendia: que não se tratava de crime doloso — disse Gilberto Carlos Weber, advogado de Luciano Bonilha Leão.
O advogado de Elissandro Spohr, Jader Marques, preferiu não falar ao final do julgamento.
Os réus respondem ao processo em liberdade.
Fonte: gauchazh