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“TEMOS DE COMBATER A OUSADIA DOS PRESOS” Entrevista | MÁRIO SANTA MARIA JR. – Titular da Superintendência dos Serviços Penitenciários

Se aderisse à febre que tomou as redes sociais de comparar uma imagem de 2009 e outra de 2019, Mário Santa Maria Jr. teria um pouco além do que alguns cabelos grisalhos a mais para mostrar. Em 2009, assumiu a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) em meio a uma crise histórica do sistema carcerário, superlotação das cadeias e deterioração do poder do Estado dentro dos presídios. Uma década depois, Mário volta ao cargo com aumento de 30% no número de presos, poucas vagas a mais e um poder de organização sem precedentes das facções criminosas nos presídios.

 

 

O sistema prisional está melhor ou pior 10 anos depois?

O que chama atenção é a massa carcerária. Eram 30 mil presos em 2009. Hoje, temos 10 mil a mais, chega a 40 mil. A ousadia do preso mudou também. Nosso desafio é fazer com o que sistema melhore para poder dar uma resposta positiva para a sociedade.

O que o senhor quer dizer com ousadia do preso?

Mudou o perfil em vários aspectos. Antigamente, não havia criminosos em ações ousadas demais, como foi o caso de Passo Fundo. Vamos retomar a conversa com todos os diretores e delegados penitenciários para fazer ações preventivas. Se eles estão ousados, vamos ousar mais ainda. Sempre contando com o apoio da Brigada Militar e da Polícia Civil.

A estrutura das cadeias melhorou ou piorou?

Todos os governos ao longo dos últimos anos tiveram a intenção de melhorar, cada um fez um pouco. Mas o sistema prisional há décadas vem decaindo, não só no Rio Grande do Sul. Estamos chegando agora para tentar avançar. O ponto é: temos de combater a ousadia dos presos.

Mas isso só acontece porque os presídios são dominados por facções criminosas com notoriedade. Como diminuir o poder delas?

Temos uma ação sendo planejada que será inovadora dentro das cadeias. O desafio é evitar que as facções recrutem presos primários que ingressam no sistema. Neste ano, vamos conseguir inaugurar novos presídios em Bento Gonçalves e Sapucaia do Sul, por exemplo. Nosso objetivo é destinar metade destas vagas novas para presos primários, impedindo que sejam recrutados pelas facções. Neste caso, eles serão “recrutados” pelo Estado, não pelas facções, e isso vai fazer com que não fiquemos enxugando gelo a vida toda.

Quantas novas vagas?

Neste ano, serão pelo menos mil novas vagas. Queremos fazer um trabalho forte com os demais poderes e os municípios para avançarmos. A sociedade exige prisão de criminosos que estão na rua, mas não quer um presídio na sua cidade. Precisamos demonstrar a todos que o criminoso daquela região tem de ficar ali. Até porque, quando sair da cadeia, ele tende a ficar junto a seus familiares. Vamos conversar com os prefeitos. É um momento importante para o convencimento da sociedade porque, sozinhos, não vamos conseguir vencer esse monstro criado há décadas.

O que o senhor quer dizer com monstro?

O monstro da criminalidade dentro dos presídios.

É possível dizer que os presos saem das cadeias piores do que quando entraram?

O grande problema é a facção criminosa. Hoje, o preso primário entra em razão de um crime menor, um roubo de carteira, um assalto a um supermercado. Entra no sistema e, por falta de vagas, ingressa para qualquer galeria. Basta dizer que ele não tem facção que, naquele instante, já é recrutado. Como o delito dele é menor e ele vai permanecer preso por uns seis meses, já sai de lá orientado e doutrinado pela facção e isso vai se refletir na sociedade, porque ele vai compor o crime na rua. Ele sai de lá contratado pela facção.

Por que é tão difícil reduzir o poder de organização das facções criminosas?

Elas são um reflexo também da organização do crime fora das cadeias. Infelizmente, assistimos a isso crescer nos últimos anos, mas posso te garantir que vamos atuar com pulso firme para acabar com esse poder.

Celulares, drogas e armas continuam sendo muito comuns nas cadeias. Como apertar o cerco?

Em 2009, tentei implantar os bloqueadores. Mas enfrentamos resistência até em razão da própria tecnologia. Os bloqueadores não ficam intramuros. Onde tem vizinhança na volta, corremos o risco de que esse bloqueio afete os moradores. Temos de ter cautela pensando na sociedade. Agora, em cadeias mais afastadas, como em Charqueadas, com certeza, vamos instalar. Vamos fazer com que se interrompa a comunicação online dos presos com o mundo externo. Mas ainda temos uma legislação que permite a visita, e os visitantes vão manter essa interlocução do preso com o lado de fora.

Em Passo Fundo, houve denúncia de que agentes penitenciários cobravam pedágio para permitir regalias dos presos. O que o senhor vai fazer?

Já fui corregedor da Susepe. Posso te garantir que 95% dos servidores ou mais são honestos e trabalham para que o sistema funcione de forma adequada. Infelizmente, a natureza humana, em todas as áreas, faz com que não consigamos atingir os 100%. Em Passo Fundo, a sindicância está muito avançada e logo vamos dar uma resposta. Estamos em cima. Meu foco é construir uma instituição forte.

Existem menos agentes penitenciários hoje do que há 10 anos?

Prefiro não dar o número exato por questão de segurança. A única coisa que posso dizer é que temos praticamente o mesmo número de 10 anos atrás, sendo que temos 10 mil presos a mais.

Em 2009, foram construídos de forma emergencial albergues para presos. A contratação da empresa foi questionada pelo Ministério Público, que acabou movendo uma ação na qual o senhor é réu. O senhor se arrepende daquela contratação?

Não, de maneira alguma. Na minha gestão, tenho de me arrepender daquilo que não fizemos. Das coisas que fizemos em prol da sociedade, faria tudo de novo. A partir do momento em que 8 mil presos progridem de pena do fechado para o semiaberto e todas as cadeias estão interditadas, não teria solução melhor. Em nome da sociedade, contratamos aquela empresa para fazer os albergues de forma emergencial impedindo que os criminosos fossem para as ruas de imediato.

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