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PESQUISA ESTIMULADA

Os questionários das sondagens registradas no TSE explicam o favoritismo de Lula – mas será que o eleitor ainda confia nelas?

Pesquisa a gente compra na empresa de pesquisas. Carne se compra no açougue, peixe na peixaria.” A frase dita pelo ex-senador Roberto Requião (PT), candidato ao governo do Paraná neste ano, resume a reportagem que começa no próximo parágrafo.


Em primeiro lugar é importante frisar que estatística é uma ciência e que é comum analisar dados por amostragem — e isso serve para muitos tipos de atividades, inclusive testar a preferência do eleitorado. Há, contudo, um elemento que pode confirmar a tese de Roberto Requião já na largada: como é preparado o questionário para chegar a determinado resultado. É o que tem ocorrido nas últimas eleições no Brasil.

Por causa das distorções no roteiro de perguntas e imprecisões encontradas na estratificação dos dados de várias sondagens, Oeste não publica nenhuma pesquisa de intenção de votos. A decisão foi tomada já na campanha de 2020.

Não é a primeira vez que a reportagem mergulha no universo das enquetes. Em dezembro de 2020, a edição 37 mostrou que os institutos erraram — e erraram feio — nas eleições municipais. O Ibope, por exemplo, anunciou a vitória de Manuela d’Ávilla (PCdoB) para a prefeitura de Porto Alegre no segundo turno. Ela perdeu por 10 pontos de diferença para Sebastião Melo (MDB). O instituto também falhou em outras capitais, como Vitória e Recife.

No dia seguinte ao pleito, a diretora do instituto, Márcia Cavalari, pediu desculpas, em entrevista para a Rádio Gaúcha, do Grupo RBS. “A gente não teve um bom desempenho na última pesquisa. Inclusive, pedimos desculpas aos porto-alegrenses”, disse. Em outra entrevista, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que sua equipe deveria estudar o caso. “Será que precisamos entender melhor os perfis dos eleitores que se abstiveram? Será que a nossa amostragem foi pequena para representar a cidade como um todo?”, perguntou-se. Foram ouvidos 807 entrevistados; Porto Alegre tem 1,1 milhão de eleitores.

Cavalari fechou o Ibope. Montou outra empresa, o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), contratado pela Rede Globo neste ano. A última rodada, divulgada pela emissora na segunda-feira 15, revela que Lula está próximo de ser eleito no primeiro turno, com 44%, ante 32% de Jair Bolsonaro.

Em maio do ano passado, quando o grid da corrida presidencial ainda tinha dezenas de nomes da tal “terceira via” que não vingou, Oeste fez um pente-fino nos questionários apresentados pelos institutos aos entrevistados. A edição 62 trouxe também um quadro comparativo com os resultados apresentados. Naquela época, as intenções de voto em Lula em cinco empresas variavam de 29 a 41 pontos, e as de Bolsonaro de 23 a 37 pontos.

Durante a pandemia, além de testar a popularidade do governo Bolsonaro e buscar uma prévia da eleição que ocorreria dois anos depois, o Vox Populi incluiu perguntas como:

  • “Quando Bolsonaro foi eleito, muitas pessoas achavam que ele era um cara diferente, que ia mudar a política e fazer um governo mais próximo das pessoas comuns. Hoje, dois anos e meio depois, você acha que Bolsonaro é o que ele dizia ser ou não?”
  • “O Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes pelo coronavírus. Na sua opinião, quanto Bolsonaro é responsável pelas mortes por coronavírus no Brasil?”

Outra:

  • “Pelo que você viu ou ficou sabendo, você acha que Lula e o PT foram perseguidos nos últimos anos, com o impeachment da Dilma e a prisão de Lula, ou não houve uma perseguição contra eles, foram tratados da mesma maneira que outras lideranças políticas e partidos?”

Eleições 2022

Em janeiro, a capa da edição 96 de Oeste chamou a atenção para uma verdadeira usina de pesquisas que passaram a inundar o noticiário do consórcio da imprensa. Com o fim das manchetes da covid-19, surgiu a pesquisa do dia. Àquela altura, ao menos 22 empresas estavam em campo oferecendo sondagens a bancos, empresas de comunicação, associações de lojistas, de supermercados e imobiliárias.

Foi nessa época que as empresas tradicionais de comunicação, já unidas num inédito pool “em defesa do jornalismo profissional”, decidiram apontar quais pesquisas poderiam ser utilizadas e quais eram fakes. O portal UOL criou um selo de qualidade para pesquisas. A triagem feita pelos editores de política apontaram as extremamente confiáveis, como o Datafolha, que pertence ao mesmo grupo do UOL, as mais ou menos confiáveis e as que são proibidas de ser divulgadas — curiosamente, as que mostram Bolsonaro empatado ou à frente de Lula.

Outros sites montaram agregadores de pesquisas. Ou seja, uma espécie de liquidificador de números coletados por empresas diferentes, com metodologias diferentes, amostragens diferentes, mas que resultam num placar definitivo — algo semelhante a tentar fazer um consolidado dos resultados do Brasileirão. Ou seja, um absurdo lógico. Um detalhe é que alguns desses levantamentos são feitos por telefone.

Roteiro determinado

O questionário do Datafolha deste mês contém algumas informações que podem ajudar a explicar a rejeição de Bolsonaro. Por exemplo: em meio a indagações sobre se o eleitor gosta ou não do presidente e em quem pretende votar em outubro, surgem perguntas assim:

– “Na sua opinião, o presidente Jair Bolsonaro vai tentar dar um golpe de Estado, ou seja, permanecer na Presidência à força, sem precisar ganhar a eleição ou não?”

1) Sim, vai tentar

2) Não vai tentar

3) Não sabe

— “Em suas declarações, o presidente Jair Bolsonaro costuma fazer ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ameaças sobre as eleições. Na sua opinião: (LEIA ATÉ A INTERROGAÇÃO)”

1) Os ataques e as ameaças devem ser levados a sério pelas instituições do país

2) As declarações de Bolsonaro não terão consequências?

3) Não sabe

O leitor deve ter reparado que uma das alternativas de resposta para a pergunta acima contém o sinal de interrogação e um aviso ao entrevistador em letras maiúsculas. É um alerta para que seja lida desta forma pelo entrevistador — “até a interrogação”. O resultado foi registrado em manchete no dia 28 de maio, com o adjetivo da vez para se referir ao presidente: “golpista”.

Foto: Reprodução

Outro instituto que tem sido publicado com ênfase pela mídia é o Genial Quaest, de Minas Gerais. O desempenho de Lula e Bolsonaro é similar ao computado pelo Datafolha e pelo Ipec. Diz o questionário da Quaest:

— “Se na noite das eleições o TSE informar que o presidente Bolsonaro perdeu, você acha que ele deve aceitar a derrota e passar o poder para o presidente eleito ou não deve aceitar o resultado e organizar seus eleitores para se manter no poder?”

1) Aceitar a derrota e passar o poder para o presidente eleito

2) Não aceitar o resultado e organizar seus eleitores para se manter no poder

Há quatro anos, os principais institutos nem sequer cogitaram que Romeu Zema e Wilson Witzel chegariam ao segundo turno em Minas Gerais e no Rio de Janeiro

Em caso de silêncio, o pesquisador poderia assinalar de próprio punho as alternativas: 3) Não sabe responder; ou 4) Não quis responder.

Por alguma razão esquisita, no meio do roteiro, a Quaest ainda sondou os eleitores sobre a cantora Anitta.

— “Nas últimas semanas, a cantora Anitta anunciou que apoiará a campanha pela eleição do ex-presidente Lula. Você sabia dessa notícia ou só está sabendo agora?”

1) Já sabia

2) Está sabendo agora

Haddad presidente?

Tornou-se recorrente no Brasil encontrar reportagens nas páginas de jornais com diretores de empresas de pesquisas tentando justificar a falta de pontaria. Uma das desculpas mais recorrentes é a “onda que se formou na véspera” a favor de determinado candidato. Há quatro anos, os principais institutos nem sequer cogitaram que Romeu Zema e Wilson Witzel chegariam ao segundo turno em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, respectivamente. Os dois foram eleitos — Witzel não durou muito e sofreu impeachment.

Nenhuma barbeiragem ficou tão famosa quanto a do Datafolha — o mais badalado dos institutos de pesquisa, que pertence ao mesmo jornal no qual um colunista publicou um artigo com o título “Por que torço para que Bolsonaro morra”. No dia 28 de setembro de 2018, pouco antes do primeiro turno, o resultado previu a vitória do petista Fernando Haddad. A manchete abaixo não dá margem a erro.

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução
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