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Livro é prioridade na vida, diz patrono da Feira do Livro de Porto Alegre

Dilan Camargo é o patrono da 61ª Feira do Livro de Porto Alegre (Foto: Rafaella Fraga/G1)

 

Aos 66 anos, poeta Dilan Camargo é o homenageado do evento em 2015.

Escritor defende programas de incentivo à leitura para crianças.

 
 
Rafaella FragaDo G1 RS
 
 

“Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre, nem sou triste: sou poeta”. As estrofes são de autoria de Cecília Meireles, um famoso trecho do texto intitulado “Motivo”, presente na primeira grande obra da poetisa brasileira. A citação foi o pontapé para Dilan Camargo, patrono da 61ª Feira do Livro de Porto Alegre, também tornar-se poeta.

“É isso que me define”, resumiu ele em entrevista ao G1, dias antes do evento literário que começa nesta sexta-feira (30) na capital gaúcha.

Aos 66 anos, o escritor se denomina um “ilustre desconhecido” para a sociedade, embora o patronato tenha lhe dado mais visibilidade fora do meio literário. “Logo que saiu a lista de indicados, as manifestações já foram intensas nas redes sociais”, comentou o poeta, que é autor de mais de 20 títulos.

O currículo tem o predomínio da poesia, dividida entre o público adulto e o infanto-juvenil. Do gênero, duas obras, uma inédita e outra que completa 15 anos e será relançada, terão sessões de autógrafos na Praça da Alfândega.

Na condição de figura máxima da Feira do Livro de Porto Alegre, o homenageado de 2015 pretende usar a “sineta”, utilizada para soar o início das atividades, como forma de agradecimento, mas também de alerta. Defensor de programas de leitura para crianças, o poeta tem trabalhado na realização de atividades escolares que incentivem a prática no dia a dia, para torná-la, enfim, um hábito.

"Vou tocar essa sineta para acordar alguns que estão dormindo, para alegrar outros que já estão entusiasmados, para reunir os que gostam do livro e da leitura, para celebrar o trabalho dessas professoras nas escolas. Eu quero que essa sineta toque o coração de todo mundo, principalmente dos adultos, dos pais, os quais têm a primeira responsabilidade de trazendo uma criança ao mundo, apresentar esse mundo para a criança. E o melhor meio para isso é o livro".

Em meio à agenda atarefada e os compromissos com o patronato, Dilan Camargo recebeu o G1em uma pequena livraria da Zona Sul da capital. Na entrevista, falou sobre a importância da leitura para a educação de uma nova geração que pouco ou nada lê.

“Eu estou fazendo a minha parte. É desafiador, mas eu não desanimo, não”, garantiu.

Um presente para a vida inteira

O novo patrono recebeu o troféu símbolo do patronato das mãos do antecessor, Airton Ortiz, em 1° de outubro. Ele concorria ao cargo com Santiago, Cíntia Moscovich, Maria Carpi, Valesca de Assis. Desde então, dedica-se em tempo quase integral à preparação da Feira do Livro.

“Ser escolhido o patrono é um presente que a gente ganha uma única vez na vida, mas que vale pela vida inteira”, define.

Na medida em que as tendas e bancas eram montadas na Praça da Alfândega, Dilan fazia um retrospecto da própria trajetória. Nos últimos dias, examinou os 40 anos de trabalho e refletiu sobre o que realizou até aqui e o que ainda falta executar.

“Ser escolhido patrono me fez revisar toda uma vida. E assim, vendo, me sinto justo e legitimado nessa condição [de patrono]”, revela.

Ele atribui a escolha aos feitos colecionados até então, como dezenas de publicações e indicações a prêmios como o Jabuti, a mais tradicional distinção literária do país, ao longo da carreira iniciada em Santa Maria ainda como estudante universitário, na década de 1970.

Após duas indicações, Dilan Camargo foi eleito patrono (Foto: Luis Ventura/CRL)Após duas indicações, Dilan Camargo foi eleito

patrono (Foto: Luis Ventura/CRL)

“Eu coloquei entre os méritos que eu possa ter tido para chegar a ser patrono a minha obra, é claro. Eu escrevo para crianças e, nesse aspecto, me sinto realmente muito valorizado”, explica.

Apesar do reconhecimento conquistado após duas indicações, o homenageado de 2015 foi surpreendido com o anúncio. “Eu não tinha aquela expectativa toda. Quem acreditava mesmo era a minha mulher”, ri, ao lembrar. “Acho que a intuição feminina é muito forte. Ela conseguiu licença do trabalho para ir ao café da manhã [que divulgou o patrono]. Aí sim eu comecei a me preocupar”, brinca.

Na véspera da feira literária, Dilan trabalha também na finalização de uma obra inédita. “A Família Livro”, voltada para o público infantil, será lançada neste sábado (31). Aos adultos, o autor dedica o relançamento de “A Fala de Adão”, de 2000, na próxima segunda (2).

“Foi tudo uma feliz coincidência. Já estava há horas pensando, queria relançá-lo  [‘A Fala de Adão’]. E já está fazendo 15 anos do lançamento. E para o público infantil eu já estava preparando outro [‘A Família Livro’]. Então serão lançados juntos os dois. Um para o público adulto, outro para o público infantil. E os dois de poesia”, entrega. “Me sinto mais ainda responsável agora”.

Dilan Camargo é poeta e tem mais de 20 obras no currículo (Foto: Rafaella Fraga/G1)Dilan Camargo é poeta e tem mais de 20 obras

no currículo (Foto: Rafaella Fraga/G1)

Um escritor, um ‘ilustre desconhecido’

No mercado literário desde 1976, quando publicou a antologia de poesias nomeada “Em Mãos”, Dilan avalia-se como um escritor invisível, apesar do considerável tempo e dos trabalhos acumulados.

“Nós, escritores, somos ilustres desconhecidos. Fala-se muito na necessidade da leitura e da educação, mas os que produzem isso são invisíveis praticamente. O escritor não faz lipoaspiração, não tira foto que vaza na internet, não faz a dieta do fulano, nem posa na beira da praia”, lista ele, com ironia.

“A mim, pessoalmente, isso não incomoda. Mas como cidadão, eu espero e falo sobre isso para despertar uma consciência sobre a valorização da produção artística. Precisamos dar mais espaço para essas pessoas aparecerem. Não por ego, para satisfazer vaidade. Mas para constituir referências, para que essa classe seja valorizada, porque nós temos uma baixa valorização do bem cultural no Brasil”, analisa.

Há quem diga que se lê pouco no país porque o livro é um artigo caro. Em época de crise, ele é facilmente substituído e não é tratado como prioridade.

“A classe média brasileira vai a uma churrascaria e o rodízio para um custa o preço de um livro. A família inteira come e vai pagar mais os 10% do serviço. E não acha caro! Mas o livro? O livro é caro. É justamente a distorção do valor do bem cultural”, critica o patrono.

Biografia de Dilan Camargo tem, em maioria, livros para o público infantil (Foto: Rafaella Fraga/G1)Biografia de Dilan Camargo tem, em maioria, livros para o público infantil (Foto: Rafaella Fraga/G1)

Um defensor da educação e da leitura

Nascido em Itaqui, na Fronteira Oeste do estado, Dilan orgulha-se de ter sido alfabetizado aos sete anos e é grato à mãe por tê-lo influenciado a tomar gosto pelas palavras. Antes, porém, de tornar-se escritor, formou-se em direito e obteve também o título de mestre em ciência política.

Ex-professor universitário, não deixou de lado o gosto pelo ensino e o aprendizado. Com frequência, o poeta visita escolas, públicas e privadas, e participa de palestras e bate-papos sobre literatura. Nas salas de aula, improvisa saraus e incentiva a leitura oral aos pequenos.

“A poesia em voz alta é fundamental. Para adultos, mas principalmente para as crianças”, defende. “É a celebração das palavras, tu podes imitar o pássaro, o cachorro. É uma experiência maravilhosa”, afirma.

O prazer pela leitura quase sempre começa na infância. Ao menos é lá atrás que o estímulo deve ser iniciado, para formar, de fato, um leitor no futuro. “Se lê muito pouco. Não é pouco. É muito pouco”, salienta.

Lançado há 15 anos, livro será relançado  (Foto: Rafaella Fraga/G1)Lançado há 15 anos, livro 'A Fala de Adão' será

relançado (Foto: Rafaella Fraga/G1)

A realidade do ambiente nas salas de aula reflete a afirmativa do patrono. Convidado para participar de atividades escolares na capital e em pequenas cidades do estado, Dilan percebeu em suas andanças um imenso abismo no rendimento de alunos da rede pública e da rede particular.

“A minha experiência me mostra, dolorosamente, tristemente, que isso se deve às diferenças das escolas privadas e escolas públicas. E existe uma subestimação da capacidade das crianças de aprenderem a ler. Tem que estimular, exigir, dentro da capacidade delas, que se superem. As crianças têm que escrever mais. Tem que trabalhar a língua portuguesa”, clama ele.



É bem verdade que a escola tem que ir além da básica alfabetização, mas para Dilan nem tudo é responsabilidade apenas de professores e educadores.

"Nós esperamos demais da escola. E a escola não está capacitada para tudo isso. O professor não pode achar que vai sair do curso e nunca mais vai estudar. Tem que estudar constantemente. Mas ele nem sempre tem tempo, está sempre de lá para cá, e antes de tentar transmitir conteúdo ele tem que resolver problemas que as famílias mandam para a escola", argumenta.

Até 15 de novembro, a Feira do Livro de Porto Alegre pode ser mais uma oportunidade para formar um novo cenário de leitores. A programação, que inclui muito mais que a venda de livros, é gratuita e inclui seminários, oficinas, saraus e palestras sobre o universo literário.

“Ela acontece em um momento difícil? Sim. Em um momento que tem inflação? Sim. Mas façam um esforço para ver que o livro é uma prioridade na vida. Se o arroz e o feijão alimenta o teu corpo, o livro alimenta tua mente”, declara o patrono.

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