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J.R. Guzzo: No Brasil, o indivíduo é inocente até seus crimes prescreverem

Embora as leis brasileiras estabeleçam punições para os crimes, também preveem mil e uma tramoias legais

Se isto aqui fosse um país decente, onde as autoridades máximas da Justiça agissem de modo a fazer cumprir as leis e garantir o funcionamento de um regime democrático, não haveria problema nenhum. Pegam-se os 12 anos de cadeia que Lula tomou, aplicam-se ao total os cálculos de subtração, divisão e descontos em geral na pena que a bondosa lei brasileira permite, e apura-se quanto tempo ele fica fora de circulação.

Mas isto aqui é o Brasil, e o Brasil não funciona assim. Aqui tudo depende da quantidade de dinheiro e da influência que o criminoso tem, de um lado; de outro, depende da roda da fortuna. Pelas patologias legais que conduzem nossa existência, questões como a atual — decidir se as leis penais devem ou não ser aplicadas, conforme o tamanho do réu — podem ficar por conta da vontade pessoal de um único ministro do Supremo Tribunal Federal. Se ele quiser que seja assim, é assim. Se quiser que seja assado, é assado. Em seguida vêm os discursos, no meio político, na mídia e na “sociedade”, dizendo que “as instituições funcionaram”.

O fato é que as leis brasileiras, embora estabeleçam punições para os crimes, também estabelecem mil e uma tramoias legais, chamadas de “recursos”, para que condenados como Lula e outros magnatas não cumpram nunca a pena a que foram condenados.

Para encurtar o assunto: justo neste momento, o ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo está completando onze (11) anos fora da cadeia desde a denúncia de suas falcatruas. Estimam, nossos cérebros jurídicos, que seria um gravíssimo atentado ao “direito de defesa” mandar o ex-governador para o xadrez depois de um tempo tão curto de processo — uma “rapidez indecente”, gostam de dizer os advogados e os juízes que gostam dos advogados. É preciso “esgotar”, dizem eles, “todos os recursos legais possíveis” antes de fazer alguma coisa mais drástica — olhem só, afirmam horrorizados, o risco intolerável de cometer uma injustiça caso haja qualquer “precipitação punitiva”.

Não faz nenhum sentido lógico, e não é assim em nenhum país bem-sucedido do mundo. Mas muitos ministros do STF, que ameaçam o tempo todo formar uma maioria mínima, e resultante de caprichos individuais, acham que a lógica e a experiência prática dos melhores sistemas judiciais do planeta não valem nada diante da majestade de um artigo velhaco da Constituição brasileira — essa “Carta Magna” tão vagabunda que já foi reformada mais de 100 vezes em seus 30 anos de vida. Tanto faz, dizem os ministros pró-impunidade, que 2 mais 2 são 4. Se na sua leitura a Constituição diz que são 7, pois então vão ser 7, e não se fala mais nisso.

O centro da trapaça, originalmente montado por advogados espertos e políticos ladrões, uns interessados em processos intermináveis e lucrativos para clientes ricos, outros de olho na proteção legal para roubarem, baseia-se na “presunção da inocência” e no “trânsito em julgado” — truques que, na vida real da Justiça brasileira, significam que o indivíduo é inocente até seus crimes prescreverem. Todo o resto é apenas uma monumental hipocrisia.

Os ministros do “2 mais 2 são 7” fazem-se chamar de “garantistas”, como se estivessem “garantindo” a liberdade dos cidadãos; só querem garantir, isso, sim, que os crimes de Lula e quaisquer outros da mesma farinha fiquem sem punição. É a turma dos embargos, dos agravos, dos embargos agravantes e dos agravos embargatórios, que nenhum brasileiro nunca teve nem terá condição financeira para usar em toda a sua vida. São os apóstolos do “embargo dos embargos”. Tudo, hoje, depende deles.

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