Por Alaides Garcia dos Santos
“Brasília é uma bolha, muito distante da realidade do cidadão, onde os recursos são todos carimbados, em que os prefeitos têm de ir lá se ajoelhar e pedir “por favor, me dá um dinheiro prá construir um posto de saúde”.
Agora, você não pode mais presumir que o cidadão está sempre errado, que está sempre culpado, precisa presumir que ele está correto.
Geanluca Lorenzon, Diretor Federal de Desburocratização do Ministério da Economia, natural de Santo Augusto, filho de Pedro Urbano (Dibi) e Nilce Lorenzon, advogado, escritor, pesquisador em Análise dos Direitos Humanos, pós-graduado em Competividade Global pela Georgetown University, participante ativo na construção da Medida Provisória da Liberdade Econômica do governo Bolsonaro, concedeu a seguinte entrevista ao jornal O Celeiro/Atualidades:
– Sucintamente, quem é Geanluca? Sua origem e sua ascensão a importante cargo no Ministério da Economia?
– Cheguei lá no Ministério como uma indicação mais técnica do que política. Eu nunca fui de partido político, não sou de nenhuma agremiação, nem nunca me envolvi com política partidária. Sou de Santo Augusto, morei aqui por 14 anos, desde que nasci e fui estudar em Santa Maria. Me formei em Direito na Federal de Santa Maria e, assim que me formei, fui fazer pós-graduação fora do País, em Administração e Gestão de Ponta. Trabalhei 04 anos em São Paulo, com economia e depois numa firma americana que é a maior firma de estratégia empresarial do mundo. E foi por essa carga de trabalho, com estratégia e conhecimento do setor privado, que a equipe do ministro Guedes me convidou a ir pro governo federal. Lá no governo federal eu trabalho como diretor federal de desburocratização. O que significa? Eu trabalho tudo que é desburocratização transversal para todas as áreas do governo. Por exemplo: se você precisa desburocratizar uma coisa específica no INSS, isso não é comigo, isso é no INSS. Agora, se tem alguma regra que tem que valer prá todo o governo de maneira igual, é comigo. No caso, todo mundo ter prazo prá responder, todo mundo ser digitalizado, todo mundo trabalhar com boas práticas de gestão, organizar a nossa bagunça normativa no Brasil, a gente não sabe quantas regulações existem no Brasil. Então, tudo isso é meu trabalho, tudo que é transversal prá todas as áreas do governo.
– Como diretor da desburocratização do Ministério da Economia, qual foi a tua participação na construção da medida provisória da Liberdade Econômica?
– Ela foi o meu primeiro projeto dentro do governo. Então, eu tive que atuar desde a pesquisa por trás da condução do processo. Para publicar uma medida provisória que o presidente assina, todas as áreas do governo interessadas precisam dar parecer, discutir, então, o meu papel foi mais como um gerente dela, em elaborar e fazer publicar a medida provisória, depois acompanhar dentro do Congresso. É uma medida provisória convertida em lei, a gente espera que ela tenha aí um impacto interessante nos próximos anos. Começa a alterar, embora isso não seja de uma hora para outra, mas foi começado a mexer em coisas que eram intocáveis. Agora, você não pode mais presumir que o cidadão está sempre errado, que está sempre culpado, precisa presumir que ele está correto, você vai começar a usar instrumentos auto declaratórios, fazer o básico que o resto do mundo já fez, e isso está por trás da medida provisória.
– Em termos práticos, o que essa lei da liberdade econômica trará de benefício à economia brasileira?
– A nossa estimativa é que, em 10 anos, nós tenhamos aí a geração de 3,7 milhões de empregos adicionais em relação ao que seria sem a medida provisória, sem a lei agora. Algumas coisas você já começou a sentir nos primeiros meses de vigência dela, que foi agora no segundo semestre: já não existe mais carteira de trabalho física, não se emite mais, toda ela vai ser digital, ou seja, você deve informar o CPF pro empregador e acabou. Se você quiser consultar as informações da sua carteira de trabalho, agora você vai lá no gov.br, coloca lá as informações suas e vai ter acesso a toda essa questão. Outra digitalização de serviço que está seguindo essa linha é o INSS. Nós queremos chegar daqui a alguns anos em que todas as aposentadorias sejam pedidas pelo celular, ou seja, que ninguém mais tenha que ir lá na agência do INSS, esperar em fila, etc, isso na frente da digitalização. Algumas outras questões que devem auxiliar bastante é limites máximos que nós estamos estabelecendo agora em regulação para todos os tipos de licença, desde o alvará de construção, licenças federais, tudo isso deve ter um prazo máximo definido em lei. Outra questão também, a gente está extinguindo uma série de burocracias, nós queremos extinguir 80% dos alvarás de funcionamento no País, extinguir análise de viabilidade, que é uma burocracia que só existe no Brasil. Estamos também atacando questões de isonomia, porque hoje, no Brasil, se você é próximo do fiscal, você pode ter uma interpretação diferente do que de outra pessoa. Então, todos esses marcos legais que estão na lei e nós estamos trabalhando agora as políticas que vão ser desenvolvidas com esse marco legal que precisávamos.
– No Congresso, foram feitos cortes no projeto da medida provisória. Esses cortes descaracterizaram de alguma forma o projeto da Liberdade Econômica?
– O projeto acabou saindo muito bom do Congresso. A gente desidratou, como a gente fala, alguns pequenos pedaços, algumas pequenas pontas. Eu chamaria a atenção para duas áreas bem distintas: houve uma série de questões trabalhistas que foram desidratadas, que liberavam o trabalho aos sábados e domingos, como já acontece hoje em dia, mas, você tem por exemplo, aqui em Santo Augusto, na lavoura, você colhe quando não está chovendo, não importa se é sábado, domingo ou feriado, mas, muita gente hoje fica na irregularidade exatamente por essa burocracia, por essa legislação amarrada, engessada que é feita lá em Brasília e que não pensa na realidade das pessoas. Então, por exemplo, nós tínhamos essa questão de liberar o trabalho aos sábados e domingos. Perdemos isso na lei da liberdade econômica. Mas, a medida provisória da carteira verde e amarela que foi editada agora no final do ano pelo presidente Bolsonaro trouxe de novo essas questões, então, a gente recuperou essa parte. Outra área em que sofremos alguns desgastes: existia uma cláusula de desburocratização para facilitar uma empresa se tornar uma sociedade anônima, uma empresa que tem ações na Bolsa, por exemplo. O Congresso achou que a maneira como nós enviamos não foi adequada, então, também tirou essa cláusula. O governo acabou perdendo isso e vai ter de pensar em alguma para este ano. Mas tirando esses dois pontos, eu acho que, no geral, o resultado foi satisfatório ao governo com a versão do Congresso. O deputado Jerônimo, aqui de Santo Augusto, foi nosso relator, deu todo o suporte necessário. Contamos com apoio de várias lideranças no Congresso, então, foi muito positivo.
– Itens excluídos da MP poderão voltar ao Congresso em forma de projeto de lei?
– O próprio deputado Jerônimo já pegou algumas partes que ficaram de fora e entrou com um projeto de lei. De parte do governo, vamos reavaliar toda a questão, tem mais coisa na fila para entrar, é possível que um ponto ou outro volte aí nessa questão, mas ainda está sendo discutido qual será a melhor maneira.
– Quais serão os próximos passos pertinentes à desburocratização?
– Eu acho que os dois principais focos que nossa secretaria deve se pautar para este ano de 2020, de uma maneira muito grande, é a reforma administrativa e a digitalização 100% do governo. A reforma administrativa é um pouco parecida com o que o Eduardo Leite está propondo aqui para servidores estaduais. Isso envolve repensar todas as carreiras de nível federal, o que elas fazem, quais são os níveis de progressão, os incentivos, avaliação de desempenho, entender quais são exatamente os gargalos, facilitar a prestação do serviço público. Do outro lado, é a digitalização para que você possa um dia ter um contato 100% digital com o governo; que você faça tudo pelo celular, tudo pelo portal único, o gov.br. Nossa ideia é que um dia tudo que você faça com o governo, tirar um documento, pedir uma licença, obter uma certidão, seja feita pelo gov.br. Então, essas são as duas principais frentes da secretaria.
No que tange à desburocratização, um dos focos interessantes que estamos pesquisando para este ano é a construção civil. Hoje, a burocracia e os normativos de código de obra, direito urbanístico no Brasil, são sem precedentes em relação a qualquer outro lugar do mundo, cada cidade tem regras específicas que não fazem sentido, determinam coisas que não deveriam ser restringidas, tem processos burocráticos que não são pautados pelo profissionalismo e pelo risco. Então, construção civil é uma das nossas áreas de pesquisa neste começo de ano.
O outro é a saúde, entender a saúde, tanto a questão pública quanto privada. O ministério da saúde tem dezenas de milhares de normas que ele mesmo editou ao longo da história, basta ver como Estados e Municípios pedem financiamento ao SUS. Então, a própria burocracia que o gestor público de saúde dos Estados e Municípios passa é infindável.
Então, a gente deve pensar nesse processo, mas, também, entender qual que é a questão, que burocracia para a saúde privada, quais são as amarras para o setor privado, como nós podemos ter mais pessoas com plano de saúde, como podemos destravar obras de construção de hospitais, de prontos-socorros, como nós podemos racionalizar esse processo para o Brasil decolar nesses dois setores. Construção civil está crescendo e saúde é essencial, a população quer saber de saúde, não quer saber se vai ter um médico que é pago pelo público, se vai ter plano de saúde, ela quer o médico, não importa se o pronto-socorro da cidade é administrado pela prefeitura, por uma organização social ou por uma clínica privada que ganhou uma concessão do município, ela quer um pronto-socorro que funcione, que os profissionais estão no horário e que entreguem um serviço de qualidade. Então, essas duas áreas devem ser nosso foco de desburocratização e de pesquisa para o começo do ano.
– Algo mais que queira acrescentar:
– Eu acrescentaria basicamente duas coisas: Brasília é uma bolha, ela é muito distante da realidade do cidadão e é por isso que é tão importante a medida do pacto federativo, que coloca o dinheiro nos Estados e Municípios, que é onde as pessoas estão, e não deixar tudo lá carimbado em Brasília, em que os prefeitos tem de ir lá se ajoelhar e pedir “por favor, me dá um dinheiro prá construir um posto de saúde”. Então, a nossa proposta de pacto federativo para com essa mendigação do gestor em Brasília, ela dá o dinheiro de volta aos municípios, que execute onde o povo está, que é onde você sabe como construir uma obra, onde você constrói a obra mais barata e com a fiscalização da população, vide todos os nossos escândalos nacionais, das grandes empreiteiras… e, segundo, a última coisa que eu falaria é que o Rio Grande do Sul e principalmente a nossa Região de imigração, uma Região que foi fundada no trabalho, no pequeno trabalho, na pequena propriedade, nós sabemos aqui que desde a pessoa mais rica da cidade até a pessoa mais pobre, todos começaram juntos aqui no campo, todo mundo se conhecia, todo mundo trabalhava na lavoura, trabalhava desde criança. Eu acho que a gente tem uma oportunidade de olhar de novo como uma Região que é produtora com orgulho e tentar entender agora, nessa janela que nós estamos vivendo no Brasil, o que a gente chama de janela de reformas… e tentar entender onde nós perdemos a linha. O Rio Grande do Sul tinha o melhor IDH, a melhor educação, a melhor saúde do País, tinha uma gestão de governo que funcionava. Como nós perdemos essa linha? Onde a gente foi? Não é só lá na questão do governo do Estado, que tem seus problemas financeiros. Não é só isso, é quando a gente perdeu a noção de que a gente precisava fazer o melhor pelo melhor, quando a gente perdeu a noção de que as nossas cidades eram bem cuidadinhas, bem organizadas, quando a gente vai voltar a ter esse tipo de noção, voltar a honrar nossa imigração, o trabalho maravilhoso que foi feito. Eu acho que nós temos o potencial aqui na Região e no Estado de dar o exemplo pro País, como nós sempre demos, mas em algum momento nós nos perdemos. Então, essa janela de reformas pode servir não só prá fazermos as reformas nacionais e duras, como é no governo do Estado, mas também prá gente repensar o que nós queremos ser como comunidade. Eu acho que aqui nós temos grandes exemplos e são uma inspiração prá gente em Brasília. Quando eu e o Jerônimo estávamos lá, a gente sempre pensava: “em Santo Augusto, a gente faz isso, faz aquilo”, eu acho que isso é muito bom.