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Entenda o projeto que propõe tornar crime discriminar políticos

Texto vai ao Senado. Poderá ser punida a negativa, por instituição financeira, de celebração ou manutenção de contrato de abertura de conta corrente, concessão de crédito ou outro serviço.

Por Luiz Felipe Barbieri e Felipe Matoso – G1 Brasília

Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (14) um projeto que prevê punir quem discriminar pessoas politicamente expostas, entre elas, deputados, senadores, ministros e seus parentes diretos.

O texto foi aprovado às pressas pelos deputados. A urgência da proposta começou a ser discutida às 19h37 e a aprovação da urgência aconteceu às 20h13. O texto em si foi aprovado às 21h37, ou seja, entre o início da discussão da urgência e o texto ser aprovado, foram duas horas.

Agora, com a aprovação do projeto pela Câmara, o texto seguirá para o Senado. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), porém, já disse que sequer sabia da existência da proposta e que ainda deverá definir a tramitação, por exemplo, por quais comissões o texto deverá ser discutido.

Durante a votação, o projeto foi criticado por parlamentares, principalmente por deputados dos partidos Novo e PSOL.

Chico Alencar (PSOL-RJ) disse que a proposta representa “corporativismo” e “dificultação de investigação de corrupção”. Adriana Ventura (Novo-SP) afirmou ser uma “vergonha” a votação do texto sem que os parlamentares tivessem informação prévia sobre seu conteúdo.

Relator da proposta, o deputado Claudio Cajado (PP-BA) saiu em defesa do texto nesta quinta (15), em entrevista à GloboNews. Cajado alegou que o projeto iguala as pessoas politicamente expostas aos cidadãos comuns, não cria privilégios nem estabelece regime diferenciado.

Veja abaixo perguntas e respostas sobre o projeto:

 

Qual parlamentar apresentou a proposta?

A proposta foi apresentada pela deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ) em 22 de maio deste ano. Dani Cunha é filha do ex-deputado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

Como foi a tramitação da proposta na Câmara?

Menos de um mês depois de ter sido apresentado, o projeto foi enviado a plenário em 14 de junho, sem ter passado por nenhuma comissão. No mesmo dia, foi submetido a votação de regime de urgência e, na sequência, colocado em votação. O texto foi aprovado num intervalo de duas horas entre o início da discussão da urgência e a conclusão da votação do mérito (conteúdo da proposta).

O que são pessoas politicamente expostas?

A criação da lista de pessoas politicamente expostas é coordenada e atualizada pela Controladoria Geral da União (CGU) e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), para, teoricamente, dar atenção especial às movimentações financeiras dessas pessoas, visando combater a corrupção e lavagem de dinheiro.

O cadastro de nomes foi uma meta criada na 10ª edição plenária da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), em 2012. Outros órgãos também colaboraram com a criação da lista, como o Banco Central, Ministério Público Federal e Tribunal de Contas da União (TCU).

Qual crime pode ser criado?

O texto fala em punir os crimes resultantes de discriminação:

  • de pessoa politicamente exposta;
  • de pessoa que esteja respondendo a investigação preliminar, termo circunstanciado, inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa;
  • de pessoa que figure na posição de parte ré de processo judicial em curso.

A única discriminação elencada no texto e passível de punição é a negativa, por instituição financeira, de celebração ou manutenção de contrato de abertura de conta corrente, concessão de crédito ou de outro serviço em razão das condições expostas acima.

Na versão original, o texto também criminalizava, com a mesma punição, o ato de injuriar alguém politicamente exposto, investigado ou réu com possibilidade de recurso.

O crime de injúria já é previsto no Código Penal, porém com pena de detenção de um a seis meses e multa. Ou seja, o dispositivo aumentaria o crime apenas quando cometido para esses grupos específicos. Após críticas em plenário, o relator retirou o trecho.

Outro pronto retirado foi o que criminalizava o ato de impedir ou atrapalhar o acesso dessas pessoas a qualquer cargo da administração pública.

Qual a pena prevista?

O texto prevê pena de 2 a 4 anos e multa.

Em caso de negativa, as instituições financeiras deverão, em cinco dias úteis, enviar um documento ao solicitante do serviço explicando os motivos de ter negado o pedido de abertura e manutenção de conta ou concessão de crédito, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

“Não dá para termos soluções fáceis. Um projeto ruim, a redação ficou ruim. A redação ficou muito aberta, o que poderia ser usado para acobertar ilícitos. Espero que o projeto possa ser refeito do ponto de vista conceitual no Senado”, criticou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).

Quem será protegido pela lei?

O texto engloba as pessoas politicamente expostas, como políticos de todas as esferas, ministros do Poder Judiciário, nomeados para cargos comissionados, procurador-geral da República, integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU), entre outros.

O projeto também alcança pessoas jurídicas das quais participam pessoas politicamente expostas, além de familiares e “estreitos colaboradores”.

Pelo texto, os familiares são “os parentes, na linha direta, até o segundo grau, o cônjuge, o companheiro, a companheira, o enteado e a enteada”.

Especialistas criticam

O criminalista Guilherme Carnelós afirmou que é um ponto “exagerado” criminalizar a negativa à concessão de créditos, abertura e manutenção de contas por parte de instituições financeiras.

“Essa tendência de criminalização foi um ponto exagerado. Eu olharia com parcimônia, porque a legislação interna brasileira precisa estar de acordo com políticas internacionais voltadas ao combate da lavagem de dinheiro das quais o Brasil participa, como a Convenção de Palermo”, disse.

O advogado Michel Saliba seguiu a mesma linha.

“A única coisa que eu critico no projeto é que não precisava criminalizar a restrição. Foi opção de técnica legislativa. A Câmara optou por evitar qualquer tipo de questionamento. Algumas instituições só com a ameaça de processo, é que acaba levando adiante um processo normal contra pessoas politicamente expostas”, afirmou o advogado criminalista Michel Saliba.

Rodolfo Siqueira, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), também criticou a criminalização prevista no texto.

“Acho que o projeto de lei, sobretudo na parte que criminaliza a discriminação, é um projeto de lei um tanto quanto exagerado. O direito criminal é a última medida. A gente não pode banalizar a responsabilização criminal de alguém. Temos a terceira maior população carcerária do mundo, a gente não pode ficar criminalizando tudo”, afirmou.

“De fato, o que pode ocorrer sob outra ótica é uma diminuição da transparência justamente com receio de responsabilidade criminal. O banco começa a ter que adotar procedimentos para se proteger. Isso pode se tornar um ciclo vicioso no quesito transparência”, destacou.

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