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Em artigo, delegado William Garcez fala sobre a liberação das drogas

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É difícil escrever em poucas linhas sobre um assunto que renderia horas de debate. Da mesma forma, não é tarefa fácil discorrer sobre um assunto onde impera a hipocrisia no seu enfrentamento. Entretanto, atendendo à solicitação da imprensa, sempre parceira na divulgação dos trabalhos realizados pela Polícia Civil, vou discorrer algumas linhas.

 

A questão da legalização das drogas, defendida por uns e rechaçada por outros, que tem causado acirradas discussões, vem sendo tratada a base do “achismo”, típico da mentalidade do povo brasileiro. Uns “acham” isso, outros “acham” aquilo. Entretanto, buscar aprofundamento na questão, e procurar identificar os reflexos sociais desta decisão, são poucos os que se propõem. 

 

A questão sobre a legalização das drogas está cercada de falácias, sem qualquer embasamento técnico-científico. O núcleo da polêmica tem de um lado a liberdade individual e de outro a incolumidade pública. Então, para que o leitor comece a pensar: o que é mais justo proteger?

 

 

A vida em sociedade requer harmonia. Por isso temos regras e padrões de conduta. Desde as antigas teorias do contrato social já se sabe que em prol do convívio coletivo devemos abrir mão de algumas liberdades. Esse “choque” entre a liberdade individual e a incolumidade pública, deve ser analisado sobre o prisma da razoabilidade. Repete-se a pergunta: O que é mais justo proteger? Mesmo sem ter adentrado no cerne da questão a resposta já parece natural.

 

Infelizmente, o brasileiro tem o péssimo hábito de “reproduzir” o que escuta, sem sequer pensar a respeito do assunto. E é isso que vemos inclusive em questões sérias, como a da legalização das drogas. 

 

Se analisarmos os argumentos apaixonados (diz-se assim porque desprovidos de fundamentação) dos que “acham” que seria bom legalizar as drogas vamos nos deparar com manifestações do tipo: “No Uruguai, a maconha foi legalizada; na Argentina, a justiça declarou inconstitucional a criminalização do consumo de drogas.” E daí? O Uruguai é o Uruguai; a Argentina é a Argentina; e o Brasil é o Brasil (desculpem pela obviedade).

 

Em alguns países o apedrejamento ainda é uma forma de pena. Em outros países o estupro de mulher não é considerado crime. Então, eu pergunto: Nós vamos implantar esses modelos também no Brasil somente porque são praticados em outros locais? Claro que não. Os costumes variam no tempo e no espaço. Cada país possui a sua cultura e o fato de determinada nação aderir a este ou àquele comportamento não é um argumento razoável para justificar a importação de um sistema simplesmente porque “lá é assim”.

 

Saibam que o Brasil é o “único” país do mundo que faz fronteira (enorme fronteira, diga-se de passagem) com todos os produtores de cocaína da América do Sul. Por isso, temos que ser muito mais rigorosos no controle que outros países, não apenas subordiná-lo a vontade de outras nações, cobiçando um status de modernidade. Alguém já se deu conta de que a liberação das drogas no extenso Brasil teria um efeito muito maior do que na pequena República do Uruguai?

 

Ademais, veja-se que a Holanda, um dos países mais liberais do mundo, precursora na legalização da prostituição e das drogas, reconheceu publicamente que isto não melhorou o país. Ao contrário, aumentou os problemas.

 

Outro argumento apaixonado que surge dos que “acham” que seria bom legalizar as drogas é o seguinte: “a legalização é a única maneira de enfrentar o narcotráfico e toda a violência decorrente dele”. Será? Onde está a comprovação disto? 

 

Voltemos à Holanda como exemplo concreto da degradação social e aumento da criminalidade gerada a partir da legalização das drogas. O objetivo da descriminalização da maconha era diminuir o consumo das drogas pesadas. Supunham os holandeses que a compra aberta tornaria desnecessário recorrer ao traficante. Ingênuos, se enganaram. 

 

Esse argumento é utópico. Ou alguém realmente acredita que legalizando as drogas os traficantes irão desaparecer? Alguém acredita que a legalização das drogas vai acabar com a violência urbana gerada pelo tráfico?

 

O criminologista holandês Dirk Korf, da Universidade de Amsterdã, afirmou: “Hoje, a população está descontente com essas medidas liberais, pois elas criaram uma expectativa ingênua de que a legalização manteria os grupos criminosos longe dessas atividades”. Ainda, pesquisas revelaram que 67% da população holandesa é a favor de medidas mais rígidas. Isso sim possui embasamento técnico.

 

Suiça e Dinamarca são outros exemplos onde o Estado precisou dar marcha a ré na tolerância com as drogas, pois as comunidades, inclusive em bairros nobres, estava tomada pelas rédeas do crime organizado. Vamos pensar: Se mesmo com toda a custosa repressão por parte do Estado o tráfico de drogas está cada vez mais estruturado, a legalização das drogas vai estancá-lo?

 

É sabido que o tráfico de drogas é o maior incentivador da violência urbana. Diariamente chegam às Delegacias de Polícia inúmeros casos de furtos, agressões, assaltos e homicídios, notadamente nos grandes centros, onde nitidamente se percebe terem sido praticados por usuários de drogas para sustentar o vício ou, ainda, por traficantes, contra seus concorrentes.

 

Paralelamente a todos esses reflexos sociais, ainda, tem-se o fato de que não existe nenhum estudo científico comprovando que a maconha, a cocaína, o êxtase e outras tantas drogas, não causem danos irreversíveis à saúde. Por essa razão são de uso proscrito.

 

Ah! Antes que eu esqueça, outro argumento tradicional dos que “acham” que seria bom legalizar as drogas é este: “os usuários recreativos de maconha, cocaína, êxtase ou qualquer outra droga têm de ter sua liberdade respeitada: se alguém tem o direito de encher a cara num bar ou em casa, também tem o direito de fumar um baseado. Isso está dentro da liberdade individual, e a pessoa tem de estar consciente dos danos que aquela droga pode causar”. Ora, por favor. Usuários recreativos? Liberdade individual? Consciência dos danos?

 

A questão envolve muitos outros aspectos, como se demonstrou acima, não somente estes. Deve ser muito confortável ter esse ponto de vista quando se é um burguês que se dirige à boca de fumo pra comprar droga com a mesada que recebeu do papai ou, então, quando se dirige ao “traficante recreativo” que distribui droga para os colegas da faculdade particular, ou, então, quando se está em casa, no conforto, assistindo ao campeonato brasileiro na SKY e fazendo “uso recreativo” com os companheiros do futebol.

 

Mas, o que dizer às mães dos adolescentes que perdem suas vidas nas mãos de traficantes, porque não conseguiram saldar uma dívida do tráfico na favela? O que fazer a respeito das crianças pobres locupletadas pelos traficantes para sustentar o próprio vício? Vamos falar em liberdade individual? Em consciência dos danos? Creio que não. E o nome disso é hipocrisia.

 

A questão deve ser tratada tendo como norte a responsabilidade social. É nosso dever, enquanto membros de um todo coletivo, não olhar apenas o próprio umbigo, mas buscar o bem comum, o melhor para a sociedade.

 

William Garcez, Delegado de Polícia

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