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Dois policiais militares são acusados de queimar suspeito de furto em Porto Alegre

Os dois soldados tiveram prisão decretada pela Justiça e estão foragidos

José Luís Costa

joseluis.costa@zerohora.com.br

Depois da tortura e do sumiço do pedreiro Amarildo de Souza, que colocou no banco dos réus 25 policiais militares no Rio de Janeiro, um novo caso de abuso de poder policial com morte vem a público, desta vez no Rio Grande do Sul. Dois soldados do 19º Batalhão de Polícia Militar (19º BPM), responsável pela zona leste de Porto Alegre, são acusados de matar um homem e espancar outro, enquanto faziam bico como seguranças particulares para uma empresa que transmite dados por meio de fios de rua.

Conforme denúncia do Ministério Público (MP), Cleiton Rodrigues de Oliveira, o Testa, 25 anos, envolvido com furtos de cabos, morreu após ser agredido e queimado em uma fogueira, que seria usada por ele próprio para derreter o isolante que protege a fiação. A pessoa que acompanhava Oliveira, um homem de 32 anos, e que sobreviveu, está sumida, possivelmente com medo de represálias. O episódio ocorreu no bairro Bom Jesus.

Os PMs Deivid Duarte Freire e Marcos Ricardo Ziani, ambos com 27 anos, estão com prisão preventiva decretada pela 1ª Vara do Júri da Capital e são considerados foragidos. Dias antes de a Justiça determinar a captura deles, os soldados conseguiram licenças médicas e não apareceram mais em casa nem no quartel.

Os PMs apresentaram atestados médicos, sob o argumento de que sofrem de distúrbios emocionais. Um terceiro soldado também é apontado como envolvido no caso, mas não teve a prisão decretada.

— Pela forma de agir, para mim, se trata de uma milícia armada, a primeira que tenho notícia em Porto Alegre — diz a promotora Lúcia Helena de Lima Callegari.

O crime ocorreu na madrugada de 27 de janeiro de 2013, no bairro Bom Jesus. De acordo com investigações da 1ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (1ª DHPP), naquela data, Oliveira e um conhecido teriam sido flagrados furtando fios em postes. De acordo com a investigação, quatro segurança privados — dois deles PMs — usando roupas pretas, coturnos, lanternas e pistolas, faziam rondas com um Uno escuro pela Bom Jesus e abordaram os suspeitos.

A dupla levou socos e pontapés. Um sofreu cortes no braço e fratura no rosto. Oliveira se esquivou dos primeiros golpes e correu. Perseguido, foi imobilizado e levado para um casebre onde ladrões de fios faziam fogueira para queimar o material isolante que reveste os cabos (sem valor comercial). Oliveira teria sido espancado e jogado sobre as chamas. Socorrido pela vizinhança momentos depois, deu entrada no Hospital São Lucas da PUCRS, com 70% do corpo queimado, e não resistiu aos ferimentos.

Temidos, os policiais militares eram chamados de "Os brabão"

Os primeiros depoimentos à Polícia Civil indicavam que os autores do crime eram os seguranças particulares, conhecidos na Bom Jesus como "Os brabão", porque ameaçariam e espancariam suspeitos de furtos de fios. O comentário na vila dava conta de que um dos seguranças era PM e conhecido pelo apelido de Chinês.

Dias depois, agentes do Serviço de Volantes do Departamento de Polícia Metropolitana (DPM) depararam na zona sul da Capital com seguranças trajando roupas pretas em um Uno escuro — com as mesmas características físicas e modelo do carro usado pelo grupo de seguranças que atuava na Bom Jesus. Um dos homens se identificou como "colega", mostrando carteira de PM, mas não despertou desconfiança.

Hospitalizado em estado grave, Oliveira morreu uma semana depois da internação. Revoltados, familiares foram até a Ouvidoria da Secretaria de Segurança Pública e declararam que o suspeito do crime era um PM conhecido por Chinês.

— Até então, a gente sabia que Chinês era o apelido de um dos soldados condenados pela morte do coronel Júlio Molinas (oficial da reserva do Exército assassinado em 2012, ex-chefe do DOI-Codi do Rio de Janeiro). Mas dele não poderia se suspeitar, porque já estava preso — disse o delegado Wagner Dalcin, da 1ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa.

Semanas depois, a 1ª DHPP pediu apoio da BM para isolar uma área onde ocorrera uma morte no bairro Agronomia. PMs do 19º Batalhão de Polícia Militar (19º BPM) chegaram ao local e um deles, Deivid Duarte Freire, foi cumprimentado por outro soldado: "Aí, Chinês, como vai?", despertando a atenção dos agentes.

Nesse meio tempo, a Corregedoria da BM identificou dois suspeitos de atear fogo em Oliveira. O homem que sobreviveu às agressões foi chamado para depor e reconheceu, por fotos, como suspeitos, os soldados Freire, de apelido Chinês, e o colega dele, Marcos Ricardo Ziani.

Na Polícia Civil, o sobrevivente não chegou a reconhecer os suspeitos porque foi preso em flagrante furtando a bateria de uma viatura policial. Enquanto a Justiça analisava o pedido de custódia para ele depor na 1ª DHPP, o homem foi solto e desapareceu.

Em depoimentos na Corregedoria da Brigada Militar e na Polícia Civil, os PMs acusados do crime negaram qualquer participação no caso, inclusive, que atuavam como seguranças particulares na data do crime — o que teria sido desmentido pela empresa que os contratou de modo informal. A BM disparou um alerta geral para todos os quartéis do Estado com o nome dos soldados, que seguem foragidos.

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