Índice de homicídios deve aumentar em setembro, na contramão da redução vivenciada nos últimos meses e anos. Surto de conflitos opõe quadrilhas locais ligadas a facções estaduais, mas com relativa autonomia
Por Humberto Trezzi – GZH
Em resposta à chacina em Rolante, forças de segurança prenderam sete suspeitos (foto).Polícia Civil / Divulgação
O excelente desempenho do governo Eduardo Leite nos indicadores de segurança pública tem sido desafiado por matanças como há muito não se via no Rio Grande do Sul. Em um mês, foram cinco chacinas: triplo assassinato em Porto Alegre, triplo homicídio em Alvorada, quatro mortes em Rolante e, no último fim de semana, quatro assassinatos em Santa Rosa e outros quatro em Arroio dos Ratos.
Com isso, o número de homicídios deve sofrer aumento substancial em setembro. Isso após um agosto que registrou o menor número de eventos criminais desde 2010, tanto em delitos contra a vida quanto contra o patrimônio.
Não só agosto. O acumulado de crimes graves em 2024 (incluindo homicídios, feminicídios, latrocínios e as várias modalidades de assaltos) também é o menor em 15 anos.
Rememoradas as boas notícias, é hora de focar no problema do momento. Todos os casos envolvem disputa entre facções criminosas. Não questões regionais, mas bastante específicas.
No episódio de Porto Alegre, num só bairro. Nos demais, conflitos locais. Em Santa Rosa e Rolante, tentativa de lideranças de retomarem poder após ficarem temporadas na cadeia.
Têm se multiplicado também assassinatos isolados ou em duplas, sobretudo na Serra, o que fará elevar o número de homicídios. Por que as matanças têm ocorrido?
Tudo indica que são processos de acomodação territorial, sem proporções estaduais.
É preciso explicar ao leitor que as facções criminais do RS não são verticalizadas, com a figura de um “capo de tutti capi” (um poderoso chefão) mandando nas vidas e mortes dos subordinados, como acontece nos filmes de máfia ítalo-americana. As organizações gaúchas, assim como a maior parte das brasileiras, têm o poder horizontalizado.
As decisões estratégicas, de longo prazo, são tomadas por uma espécie de colegiado. Isso porque as quadrilhas que fazem parte do conglomerado têm relativa autonomia para atuar.
São uma espécie de franquia das organizações nascidas na Região Metropolitana. Até por isso, convivem com disputas locais. E, nessas, as grandes lideranças situadas nos presídios da Capital não costumam interferir.
Isso torna a ação das autoridades mais difícil, porque os conflitos estão pulverizados em interesses localizados e diferenciados. Não basta responsabilizar um chefe estadual de facção, se ele não ordenou pessoalmente as chacinas. Como ressaltou a esse colunista uma gaúcha expert em crime organizado, a doutoranda em Sociologia Marcelli Cipriani, as mortes no varejo das drogas nem sempre são iniciativa da cúpula das facções.
O secretário estadual da Segurança Pública, Sandro Caron, reafirma que a resposta será dura. Na semana passada, deu um exemplo: sete pessoas foram presas pela chacina de Rolante. Que, de longe, foi a mais planejada. Os bandidos usaram até uma ambulância para escoltar vários veículos até o local onde seus desafetos foram assassinados.
Outras prisões já aconteceram, porque os principais suspeitos de todas as chacinas estão identificados. Agora é reunir indícios e provas para convencer juízes.
Em paralelo, as forças de segurança apertarão o torniquete contra os traficantes. Líderes de facções serão transferidos para regiões longe dos focos de conflito, a Brigada Militar já começou operações de saturação de área em locais conflagrados, o número de mandados de busca vai se multiplicar, assim como o cerco a bocas-de-fumo controladas pelos suspeitos de envolvimento nas mortes.
Tudo que os bandidos não querem. Terão de aprender da pior forma que não se brinca com vidas impunemente. Mesmo que essas vidas sejam a de criminosos. É bom lembrar que muitas vezes inocentes tombam nesses conflitos. Como, aliás, pode ter ocorrido na chacina em Porto Alegre.