A questão dos gastos públicos por parte dos legislativos municipais, especialmente em tempos de adversidade econômica, transcende os números e alcança o cerne dos princípios constitucionais da moralidade e da economicidade, pilares essenciais da administração pública. A Constituição Federal, em seu artigo 37, impõe que os atos da administração obedeçam a princípios como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. No entanto, a análise recente das despesas parlamentares na Região Celeiro do Rio Grande do Sul revela práticas que colocam em xeque a observância de alguns desses preceitos.
Entre janeiro e abril de 2025, os legislativos (vereadores e funcionários) dos 21 municípios da região gastaram juntos R$ 1.059.817,84 apenas com diárias, locomoção e inscrições em cursos. Este total compreende R$ 549.907,39 com diárias, R$ 314.486,45 com despesas de locomoção e R$ 195.424,00 com inscrições em curso. Embora essas despesas possam ser justificadas sob a ótica da qualificação e do desempenho da função pública, o montante expressivo em um período tão curto sugere uma possível distorção entre o interesse público e o uso dos recursos.
O princípio da moralidade administrativa impõe que o agente público atue com ética, responsabilidade e em sintonia com os valores sociais. Despesas elevadas com diárias e deslocamentos em um contexto de restrições orçamentárias e clamor por serviços essenciais mais eficientes — como saúde, educação e segurança — soam como um desrespeito à sensibilidade da população. O uso exacerbado de recursos para custear participações em cursos e viagens, sem evidências claras de impacto positivo na gestão pública local, tende a ser percebido como privilégio e não como investimento.
A economicidade, por sua vez, exige não apenas que o gasto seja legal e autorizado, mas que ele seja necessário, racional e proporcional aos fins buscados. Quando se verifica que um único município, como Tenente Portela, gastou R$ 164.342,02 — sendo R$ 65.426,25 em diárias, R$ 79.133,77 em locomoção e R$ 26.022,00 em inscrições — surge a inevitável pergunta: que retorno concreto essa cifra gerou à população local? A preocupação se amplia quando se observa que outros municípios também apresentaram valores elevados: Redentora, com R$ 152.512,17, Crissiumal com R$ 90.840,23, Barra do Guarita com R$ 72.362,02 e Humaitá com R$ 70.895,38. Esses números indicam que a prática de altos gastos não é isolada, mas sim parte de uma tendência regional que exige análise crítica e ação corretiva. O contraste com o município de Vista Gaúcha, que despendeu apenas R$ 3.190,00 no mesmo período, explicita a desigualdade nas prioridades legislativas. Enquanto uns adotam posturas mais comedidas, outros parecem agir com um liberalismo incompatível com o momento econômico e social do país.
Essa disparidade entre os extremos revela mais do que uma diferença de gestão: expõe a necessidade urgente de controle social, transparência ativa e revisão dos critérios de autorização e comprovação dessas despesas. Gastar bem o dinheiro público é mais do que um dever legal — é uma responsabilidade moral com os que mais precisam da presença do Estado.
Portanto, quando se compara o Legislativo de Tenente Portela (R$ 164.343,02) com o de Vista Gaúcho (R$ 3.190,00), percebe-se não apenas uma diferença de valores, mas uma diferença de concepção sobre o que é servir ao público. Que esse contraste sirva como ponto de partida para uma reflexão mais ampla sobre o papel do vereador e os limites éticos do uso do erário.
Fonte: Observador Regional