As ligações perigosas

Conexão pessoal mal explicada de Moraes e Toffoli com o Master arrisca a credibilidade do STF e entra num terreno pantanoso que todo ministro do Supremo, em nome da ética, deveria evitar

OPINIÃO DO ESTADÃO – 24/12/2025

A proximidade pessoal dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Dias Toffoli com o Banco Master, de Daniel Vorcaro, não é perturbadora apenas pelo que significa para a imparcialidade de ambos. A rigor, expõe a perigo a credibilidade de todo o STF como instituição republicana.

Comecemos por Moraes. O jornal O Globo revelou que Vorcaro contratou o escritório da mulher do ministro, Viviane Barci de Moraes, para representar o Master judicial e administrativamente, inclusive acompanhando projetos de lei de interesse do banco no Congresso – o que configura lobby, prática legítima quando transparente, mas imprópria quando envolve familiares diretos de um ministro do STF que potencialmente pode vir a julgar o contratante.

Mais grave ainda é o fato de o contrato prever honorários de impressionantes R$ 129,6 milhões sem um objeto claramente definido. Consta apenas uma prestação de serviço genérica, à guisa de “representação” perante órgãos federais, além de um serviço de “organização e coordenação estratégica, consultiva e contenciosa”, seja lá o que isso signifique. Ora, honorários dessa monta, sem paralelo na advocacia nacional e sem vínculo claro com demandas processuais objetivas, suscitam toda sorte de suspeitas, principalmente a de que, na verdade, pode-se estar diante da compra de acesso a um ministro do STF por intermédio de sua família.

Essa suspeita ganhou força após vir a público a informação, também do jornal O Globo, de que Moraes teria feito gestões em favor do Master junto ao presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Por meio de nota, tanto Moraes como a autoridade monetária negaram que os negócios de Vorcaro tenham sido assunto das conversas, e sim as implicações da Lei Magnitsky, imposta pelo governo dos EUA, na vida financeira do ministro.

Se Moraes já está perigosamente próximo do caso Master, seu colega Dias Toffoli não fica atrás. Sem razão fática ou jurídica que o amparasse, o ministro acolheu um pedido da defesa de Vorcaro e concentrou em seu gabinete o controle absoluto do inquérito aberto contra executivos do banco. Para piorar, Toffoli ainda impôs rigoroso sigilo à investigação. Em claro desrespeito ao Legislativo, o ministro negou acesso aos dados da quebra dos sigilos fiscal, bancário e telemático de Vorcaro até para a CPI do INSS, franqueando-o somente ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

Os membros da comissão pretendiam investigar a participação do Master na oferta irregular de crédito consignado a aposentados e pensionistas do INSS, o que levou à interrupção desses contratos em outubro passado. Portanto, por que esconder esses dados dos parlamentares? A falta de transparência prejudica, em primeiro lugar, o próprio STF. O sigilo desarrazoado, naturalmente, leva à suspeita de que se pode estar diante de tudo, inclusive de proteção de eventuais criminosos. São sobejamente conhecidas as relações que Vorcaro cultivou em Brasília nos últimos anos enquanto expandia seus negócios de modo vertiginoso.

Como se isso não bastasse, Toffoli, como veio a público, viajou para assistir à final da Copa Libertadores, em Lima, a bordo de um jatinho particular de um empresário na companhia do advogado Augusto de Arruda Botelho, defensor de um dos executivos do Master implicado na suspeita de fraude. Trata-se de conduta inaceitável para um ministro do STF. Se quisesse evitar a aparência de conflito de interesses, Toffoli deveria ter viajado em avião de carreira e pago a passagem do próprio bolso.

Diante desse conjunto de fatos, duas conclusões se impõem. A primeira é que Toffoli e Moraes, a bem do Supremo, não podem participar de nenhum ato processual relacionado ao Master no âmbito da Corte. Não basta que ambos eventualmente afirmem que não cometeram irregularidade alguma, o que até pode ser verdade. O busílis é que a imparcialidade judicial exige mais do que a ausência de dolo: exige a ausência de dúvida.

A segunda é a premência de um código de conduta para os ministros do STF, como defende o presidente da Corte, ministro Edson Fachin. Os ministros são servidores públicos, não vestais que só devem satisfação à sua própria consciência.

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