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As férias de Mr. Sartori

Por Sergio Araujo

As férias do governador José Ivo Sartori – legais e constitucionais – tem todos os componentes necessários para modificar a célebre frase de William Shakespeare de que “há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”. No caso, a redação adaptada ficaria: “Há mais coisas entre o céu, o mar e a terra, do que pode imaginar nossa vã filosofia”. Por vários motivos. Todos eles por conta da incoerência entre o discurso e a realidade. Senão vejamos.

Recentemente Sartori circulou pela praia de Torres onde tirou fotos e expos fartamente a sua protuberância abdominal, dando a impressão que escolheria o litoral gaúcho como destino para os seus momentos de descanso e lazer. Ledo engano. Bastou sair de férias e se bandeou para os Estados Unidos para desfrutar das maravilhas da orla hollywoodiana da Flórida. Mas claro, não espere ver imagens dessa aventura.

Ou seja, ao invés de prestigiar o turismo das praias do Rio Grande do Sul, ajudando a economia local, sempre carente de investimentos, preferiu ir na contramão da maioria dos brasileiros que levados pela crise financeira optaram pelo turismo doméstico, e foi gastar dólares na terra do Tio Sam. Justo agora que o dólar está valendo quatro reais. E mais, optou por fazer a viagem num transatlântico.

E antes que digam que estou com ciúmes ou inveja dessa mordomia toda vou logo perguntando: Quem não gostaria de estar no lugar dele? Todo mundo né? Não é à toa que esses cruzeiros luxuosos estão sempre abarrotados de novos ricos. Mas isso é para quem pode. Chego a imaginar o Sartori dando risada, contando piada e ensinando os parceiros de viagem a jogar truco. Mesmo que seja sobre uma mesa de Blackjack. Aplaudido pela trupe de deputados e secretários que o acompanham na viagem, até mesmo por aqueles que já ouviram as piadas repetitivamente.

Mas o que mais me intriga realmente são as conversas de Sartori com os turistas. Como ele justificaria sua presença nas praias da Flórida quando perguntado sobre a situação do seu estado? Ele que se diz sincero e transparente. Imaginemos pois o seguinte diálogo na beira da praia, travado entre ele e um bem sucedido empresário brasileiro.

flórida– E aí governador, tá gostando da praia?

– Uma maravilha. Isso aqui é que é vida.

– Mas no Brasil dizem que o Rio Grande do Sul é um dos estados de melhor qualidade de vida.

– Já foi. O governo que me antecedeu deixou o estado em ruínas.

– É mesmo. Me conte mais.

– Para o senhor ter uma ideia a arrecadação existente não dá para pagar as despesas do mês.

– Que coisa! Mas isso é recente?

– Que nada! Iniciou faz mais de quarenta anos.

– Mas o Brasil todo está assim.

– Não como o Rio Grande. Aquilo lá é o caos.

– E por que ninguém nunca fez nada para estancar essa sangria?

– Não sei. Eu estou fazendo a minha parte. Vendendo o almoço para pagar a janta. E ainda tem quem me critique.

– É mesmo? Quem? A oposição?

– Antes fosse. É o funcionalismo público. Um bando de ingratos. Para teres uma ideia o magistério, sabendo que não tem dinheiro nem para recuperar os prédios das escolas, insiste em querer receber o piso salarial.

– Mas isso não é obrigação legal?

– É! Mas com que dinheiro eu vou pagar? Eles que vão cobrar do Tarso ou então que passem no Tumelero, pois dizem que lá tem uns pisos bonitos e baratos.

– Tumelero?

– É uma loja de material de construção. Mas eu já disse para eles que tratem de melhorar a qualidade do ensino ao invés de ficarem reclamando da vida. Dessa área eu manjo bem pois já fui professor de cursinho pré-vestibular.

– Mas são só os professores que estão reclamando?

– Que nada! A polícia também. Só porque os índices de criminalidade estão crescendo como nunca, agora só falam em reposição do efetivo. Mas como se não tem dinheiro nem para pagar os que já estão trabalhando? Aliás, eu já disse para os servidores estaduais que eles devem levantar as mãos para o céu e agradecer por terem estabilidade. Quanta gente está sem emprego e não põe a culpa em mim?

– Mas se pudesse demitir, demitiria?

– Tenho que pensar no Rio Grande do Sul como um todo.

– Sei. Mas isso não iria prejudicar a qualidade dos serviços essenciais, como a educação, a segurança e a saúde?

– Mas e para que serve a iniciativa privada? Eu sou a favor das PPPs, das concessões e até mesmo das privatizações. Se o Estado não consegue fazer a sua parte que dê o lado e deixe quem pode fazer se instalar. Vou começar fazendo isso pelas estradas, permitindo a cobrança de pedágio.

– Meus cumprimentos governador. É isso mesmo. E a saúde pública, como anda?

– Outra calamidade. Não estou conseguindo sequer pagar os hospitais.

– Mas isso não dificulta o atendimento das pessoas, principalmente as mais necessitadas?

– Elas já estão acostumadas a aguardar para serem atendidas. Um dia, uma semana ou um mês a mais não vai fazer diferença.

– Hum, hum… Mas me diga uma coisa governador, como é que o senhor, diante de tanta dificuldade financeira em seu estado, ainda consegue vir tirar férias na Flórida?

– Ah meu filho, graças ao meu esforço. Sempre trabalhei muito. Fui vereador, deputado estadual e federal, secretário de Estado, prefeito e agora governador.

– Ah, sei. O senhor é um santo homem…

– Santo não, mas bastante religioso. Nossa Senhora do Caravágio sempre me ajudou muito.

– Amém!

– Mas agora vamos parar de falar no passado por que o negócio é olha para frente e pensar no futuro. Aliás, que mar azul turquesa maravilhoso esse de Miami né? Me faça um favor, me alcança aquele copo de Blue Mary que está ali em cima da mesa e vamos fazer um brinde…

Claro que tudo isso é um exercício de ficção, mas que ajuda a pensar no atual momento vivido pelos gaúchos, ah isso ajuda. Que o diga aqueles que neste verão não tiveram condições financeiras sequer para tomar banho de mar nas águas revoltas e amarronzadas das praias gaúchas.

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Sergio Araujo é jornalista e publicitário

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