BM / DivulgaçãoArmas foram apreendidas com um dos policiais militaresBM / Divulgação

“Palhaços, paspalhos”. Risos.

A forma debochada com que se referiam a colegas policiais militares (PMs) que insistiam em fazer o que é dever por lei, como coibir o crime, prender criminosos e apreender drogas e armas, é uma das marcas do grupo suspeito de ser braço de uma facção criminosa do Estado, com base no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre.

Presos ou alvos de buscas e apreensões na manhã da última segunda-feira (11), na Operação Cherrin, PMs que riam de colegas em conversas telefônicas foram investigados por quase um ano. Embalados por certa sensação de impunidade, esqueceram de disfarçar crimes e ostentações. Acabaram símbolo de uma das maiores ações contra a corrupção policial no Rio Grande do Sul. Dez PMs foram presos e, até o momento, são pelo menos 25 sob suspeita de prestarem serviços à facção Bala na Cara em detrimento dos interesses da sociedade.

A maior parte dos investigados é lotada ou passou pelo 11º Batalhão da Polícia Militar (BPM) e representa quase 10% do efetivo total da unidade situada na zona norte de Porto Alegre. Somente um dos presos não teve passagem pelo batalhão. Sete estavam atualmente na guarnição, um atuava em Guaíba e outros dois no 20º BPM, também na mesma região da Capital. Sete são soldados, dois são sargentos e um é tenente da reserva. Os salários deles variam entre R$ 5,1 mil e R$ 13 mil. Juntos, custam mais de R$ 1 milhão por ano ao Estado em remunerações.

Apropriação de armas e de drogas durante ocorrências, comércio de armamento, tráfico de entorpecentes, venda de informações privilegiadas e extorsões estão entre os delitos investigados. Até a possibilidade de envolvimento em homicídios por encomenda é verificada pelas autoridades. Aliás, foi por meio dos criminosos da facção que foram obtidos os principais indícios da atuação suspeita por parte dos policiais militares.

A partir de horas de gravações telefônicas com diálogos dos traficantes, autorizadas pela Justiça, foi possível decifrar o que os militares faziam.

Ao abordar criminosos – de um grupo diverso daquele que recebia proteção oficial – com armas e drogas, os PMs suspeitos se apropriavam de armas e drogas que poderiam ser revendidas à facção amiga ou até em outros negócios.

Proteção à facção da capital

Alguns policiais foram presos durante as buscas porque tinham em casa armas apreendidas em ocorrências policiais. Os militares eram beneficiados com os valores da revenda dos materiais.

O grupo de PMs suspeito se dividia no que a investigação passou a chamar de “células autônomas”. A atuação era compartimentada, cada um tinha tarefas diferentes e atuava por territórios.

O grande mote da atuação, conforme autoridades, era dar proteção aos negócios da facção e fornecer armas. Proteger significava ações omissivas em determinados momentos, como deixar de agir da maneira que deveria, ou até mesmo atuar de forma mais ostensiva em relação a adversários do grupo. Não é descartada a possibilidade de mortes por interesse da facção protegida. Outra situação flagrante era o repasse de informações privilegiadas sobre operações policiais planejadas contra o grupo criminoso ou investigações em andamento.

Em contrapartida pelos serviços prestados, os PMs passaram a ter acréscimo patrimonial, bens incompatíveis com a renda. Algumas vezes, ao receber dinheiro dos traficantes, contavam as notas dentro de viaturas, parados na rua, sem disfarçar.

Aquisições de carros luxuosos entraram na mira da Corregedoria

Informações relatando esse tipo de situação chegaram à Corregedoria. A investigação monitorou aquisições, principalmente, de carros luxuosos, já que negociações e comentários foram flagrados nas escutas. Alguns chegavam a exibir as conquistas, como boas viagens, nas redes sociais.

– A comunidade não distingue quais os PMs estiveram envolvidos. A imensa maioria dos brigadianos é correta. É honesta. Mas esse punhado de gente faz um estrago grande – lamenta um oficial, que atuou no 11ª BPM.

Após as prisões, a preocupação agora é a de recuperar a confiança dos moradores com o batalhão. No ano passado, o 11º BPM recebeu R$ 4 milhões entre veículos e armas por meio de doação de empresários.

“Não é prática disseminada”, diz MP

Trabalho conjunto da Corregedoria da Brigada Militar e do Ministério Público resultou na ação da última segunda-feira, que prendeu 10 PMs e oito pessoas relacionadas à facção e apreendeu R$ 240 mil, 126 celulares, 10 armas e 1,4 mil munições de diversos calibres.

O desnudamento do que ocorria nas vielas do bairro Bom Jesus, berço da facção, começou a ser feito ano passado, a partir de maio, depois de um caso de peculato. Durante abordagem, um PM teria pego R$ 4 mil que estavam em posse de uma pessoa ligada a jogos de azar.

Revoltada, a vítima denunciou o caso a autoridades. O policial foi preso e, a partir do conteúdo do celular dele, as ligações com criminosos passaram a ser rastreadas. Apesar de afastado do trabalho e respondendo a processo na Justiça Militar, o PM foi novamente preso na Cherrin. Ele é um dos cinco principais investigados.

Um detalhe importante da investigação: não se trata de mais uma apuração sobre os inúmeros crimes perpetrados pela facção. O trabalho nasceu na Justiça Militar e sempre teve como foco a atuação dos militares, a interação com a facção, a troca de favores, a venda de trabalhos, o fornecimento de armas e a proteção prestada pelos servidores públicos ao grupo criminoso que trafica drogas, rouba e mata, espalhando o terror na Capital, na Região Metropolitana e no Interior.

O grupo criminoso é ligado ao traficante Luís Fernando da Silva Soares Júnior, o Júnior Perneta ou Museo, que em maio foi capturado no Paraguai.

—Esses policiais são exceção. Não é prática disseminada dentro da Brigada Militar. O Ministério Público confia na instituição Brigada Militar – diz o promotor que coordenou a investigação, Nilson de Oliveira Rodrigues Filho, da 2ª Vara Criminal.

Contrapontos

Procurado pela reportagem, o comandante do 11º BPM, tenente-coronel Douglas da Rosa Soares, salientou que procurou a Corregedoria da Brigada Militar logo após ter conhecido do envolvimento de policiais com criminosos, há mais de um ano. A partir daí, o comando passou a apoiar as investigações, que culminaram nas prisões dos 10 PMs.

— Nosso objetivo foi ser transparente. Porque é inadmissível ter policial corrupto no serviço.

Os investigados

Soldados do 11° BPM que ingressaram na corporação em 10/8/2009
Vitor Ronaldo Pereira Hernandez
Tinha mandado de prisão por associação com organização criminosa
O que diz a defesa: o advogado Marcio Rosano Dias de Souza informou que só deve se manifestar sobre o caso após ter acesso aos autos do processo.

Romário Soares Corrêa
Tinha mandado de prisão por associação com organização criminosa (encontrado com armas e drogas)
O que diz a defesa: não foi localizada.

Italo Vitcoscki Bevilaqua
Tinha mandado de prisão por associação com organização criminosa e comércio de armas
O que diz a defesa: os advogados Carlos Eduardo Galant Lopes e Gabriela John dos Santos Lopes afirmaram que ainda não tiveram acesso à íntegra do processo.
— Estamos aguardando para tomar ciência de toda a situação e começar a estudar o que pode ser feito — afirmou Gabriela.

Alisson Fernando Frizon
Tinha mandado de busca e apreensão (foi encontrado com drogas)
O que diz a defesa: não foi localizada.

Tiago Aquino de Souza
Tinha mandado de busca (associação com organização criminosa e armas)

Gabriel Luis Corrêa da Costa
Tinha mandado de busca e apreensão e foi encontrado com drogas
O que diz a defesa de Tiago e Gabriel: o advogado Fabio Cesar Rodrigues Silveira observa que ainda não teve acesso aos autos, o que foi negado pela Justiça. Entretanto, deve pedir a liberdade do seu cliente.
— Vamos seguir tentando a liberdade dos nossos clientes, apesar da excepcionalidade de estarem negando o direito básico de saberem do que são acusados — observou o advogado.

3º sargento André Ricardo Simplício Soares
Tinha mandado de busca e apreensão e foi encontrado com drogas
Data de ingresso: 02/10/1993
O que diz a defesa: a advogada Andrea Ferrari salienta que o seu cliente nega “veementemente” envolvimento com o grupo criminoso. Ela observou que vai pedir a liberdade do sargento, mas está tendo dificuldades para obter acesso aos autos.

Soldado Roger Lopes da Silva, do 31° BPM
Não há informações sobre o tipo de mandado
Estava lotado: 31ºBPM. Foi do 11º BPM entre 2010 e 2015
Data de ingresso: 10/8/2009
O que diz a defesa:  O advogado David Leal da Silva observa que ainda não teve acesso aos autos e, por isso, desconhece o motivo de Roger estar preso. Ele ainda defende um dos cinco civis presos.
— Se analisarmos a legislação pertinente e a própria súmula vinculante número 14 do STF, é fácil de perceber que é totalmente inadequada toda situação em que nos encontramos. Meus clientes foram presos na segunda-feira, estão dispostos a contribuir com a justiça, tanto é que prestaram depoimento na delegacia, mas até agora não se sabe do que realmente se trata.
Ainda segundo o advogado, as armas encontradas com Roger estão “devidamente registradas” Roger também é defendido pela advogada Raiza Hoffmeister.

3º sargento Daniel dos Santos Fagundes
Não há informações sobre o tipo de mandado
Data de ingresso: 12/07/1994
Estava lotado: 20º BPM. Não pertenceu ao 11º BPM
O que diz a defesa: o advogado Fabio Cesar Rodrigues Silveira observa que ainda não teve acesso aos autos:
– Vamos seguir tentando a liberdade dos nossos clientes, apesar da excepcionalidade de estarem negando o direito básico de saberem do que são acusados.

1º tenente da reserva Rogério Oliveira Cardoso
Não há informações sobre o tipo de mandado
Data de ingresso: 12/06/1989
Estava lotado: 20º BPM. Atuou no 11º BPM até 1998
O que diz a defesa: não foi localizada.