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Estado desestimula partos e cirurgias em pequenos hospitais

Medida da Secretaria Estadual da Saúde quer estimular envio de pacientes para instituições referência das cidades maiores

21/05/2014 | 06h02

Estado desestimula partos e cirurgias em pequenos hospitais Cesar Lopes/Especial

Em Progresso, o centro cirúrgico do Hospital Santa Isabel, reformado em 2010, pode perder utilidadeFoto: Cesar Lopes / Especial

Uma resolução da Secretaria Estadual da Saúde (SES) pode deixar mais de 800 mil pessoas sem serviços de parto e pequenas cirurgias em hospital de suas cidades. A SES afirma que a intenção é racionalizar o uso de recursos e garantir atendimento qualificado em centros maiores, mas o novo sistema preocupa prefeitos e gestores.

Se assina a adesão, o hospital assegura recurso fixo mensal do governo, mas é obrigado a fechar as portas para grávidas e pacientes do município e de localidades vizinhas que dependem do serviço.

– O Estado está dizendo o seguinte: te oferecemos recursos, só que, para isso, você tem de fechar o bloco cirúrgico e não realizar mais partos. Em resumo: não ser mais um hospital, mas sim um pronto-atendimento – diz o assessor técnico da Área de Saúde da Federação das Associações de Municípios (Famurs), Leonildo Mariani.

A resolução foi aceita por 39 das 88 instituições que se encaixam na modalidade – estabelecimentos com até 50 leitos ou que realizam menos de 20 partos por mês, geralmente localizados em cidades com até 10 mil habitantes.

O valor reservado aos hospitais do Estado permanece o mesmo: R$ 250 milhões. A diferença é que a fatia destinada a cada instituição poderá ser calculada de acordo com sua produção (hospitais médios e grandes, classificados como gerais) ou número de leitos (para os menores, classificados como clínicos). Os gerais, aptos a realizar cirurgias, cesáreas ou partos normais, precisam ter pediatra e anestesista disponíveis 24 horas por dia. Mas a presença desses profissionais é algo distante da realidade das pequenas comunidades.

– Quando não se deixa pequenos hospitais crescerem, quando não se dá condições econômicas para fazer procedimentos de pequena e média complexidade, acaba-se destruindo as instituições e afastando os profissionais do município – diz o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers), Fernando Weber Matos.

Prefeitos temem mais ambulancioterapia

O argumento da SES é de que a resolução muda o perfil dos hospitais para "reduzir o déficit das instituições que não têm volume de atendimento suficiente para arcar com os custos da operação" e para possibilitar aos moradores de pequenas cidades o acesso aos serviços de centros maiores. A questão é que, ao não realizar cirurgias, os hospitais passam a funcionar apenas como suporte para ações de atenção básica em saúde, com leitos para pacientes crônicos.

Para os prefeitos, a consequência é o agravamento da ambulancioterapia. Em Chiapetta, no noroeste do Estado, já são feitas viagens diárias em dois turnos para procedimentos de média e alta complexidade. O prefeito Osmar Kuhn (PP), que preside a Associação dos Municípios da Região Celeiro, critica a resolução:

– Terá mais ambulancioterapia por casos simples, que resolvíamos nos pequenos hospitais. Vamos enviar casos para locais que já não atendem à demanda que têm.

Em Progresso, falta orientação

No papel, o único hospital de Progresso, cidade de 6 mil habitantes no Vale do Taquari, já deveria negar o atendimento às grávidas que chegam em trabalho de parto ou a moradores que chegam com dores decorrentes de hérnias e apendicites, por exemplo. Na prática, não recebeu orientação do Estado definindo para onde mandar os pacientes.

– Como não nos deram referência, o paciente chega e precisa ser atendido – diz Maria Inês Brancher Schmitt, diretora do Hospital Santa Isabel (HSI), que também atende a outros quatro municípios.

O Hospital Bruno Born, de Lajeado, localizado a 56 quilômetros de distância, poderá ser a nova referência dos moradores de Progresso. A instituição tem média mensal de 62% de ocupação dos leitos e recebe pessoas de 42 municípios e mais os encaminhados pela Central de Regulação de Leitos.

Prefeito de Progresso, Edegar Antônio Cerbaro (PP) critica a medida do governo:

– Em um único parto no ano passado, mais complicado, precisamos levar a mãe para outro local. Além da demora, o Estado mandou levar a mãe para Alegrete, a mais de 500 quilômetros daqui. Se em um único caso aconteceu assim, imagina se precisarmos todo dia.

A agricultora Círia Margarete Ristow, 30 anos, não sabe o que faria se não tivesse o hospital de Progresso para trazer ao mundo seu terceiro filho, Kauê. Ela mal chegou ao HSI, e o menino nasceu. O atendimento, avaliado como ótimo, resultou em uma alta médica um dia depois do parto normal.

R$ 3,9 mil

por leito será o valor pago, ao mês, pelo Estado aos hospitais. O repasse é calculado pela quantidade de habitantes (cada mil pessoas representam 0,8 leito) e não pelo número de vagas existentes na instituição. Assim, se a cidade tiver 10 mil moradores, vai receber o equivalente a oito leitos.

Secretária da Saúde, Sandra Fagundes: "a grávida precisa saber onde ganhará o bebê”

A resolução não sobrecarregará os hospitais de referência?

Há pelo menos dois fatores que nos fazem pensar que não: a capacidade do hospital de referência e o número de atendimentos feitos pelas instituições dos municípios de pequeno porte, que costumam ter baixa ocupação. Eles atendem uma parcela importante da população, mas em volume não é significativo. A média de ocupação nos leitos hospitalares do Estado fica em torno de 70% a 74%. Algumas tem taxa maior, mas temos uma segurança a respeito disso.

A secretaria fez estudos sobre a distância que o morador percorrerá até o hospital de referência, em outra cidade?

A distância é relativa. Às vezes, dentro do próprio município tem uma distância grande, principalmente quando há estradas vicinais. Esses hospitais estão concentrados em municípios de pequeno porte, que são muito próximos uns dos outros. Então, as distâncias não são enormes. Consideramos isso na decisão.

Hospitais que aderiram à resolução alegam que não foram orientados para onde levar os pacientes. Como será feita esta orientação?

Estamos trabalhando por regional de saúde para ajustar o conjunto de ações. Há negociação direta entre hospitais e municípios, onde é feita a pactuação do destino dos pacientes. Sem essa garantia, não haverá mudança. Estamos em processo de adaptação do sistema.

Como uma grávida será encaminhada para o novo hospital de referência?

Trabalhamos na qualificação do pré-natal, feito na atenção básica do próprio município. A grávida precisa saber antes para onde vai, onde irá ganhar o bebê. Até o momento, não conseguimos essa afinação toda que queremos, mas trabalhamos nessa direção.

Qual será o benefício para a população?

Vamos abrir o serviço para o que a população necessita. Precisamos do pronto-atendimento e de serviços que estabilizem os pacientes crônicos e idosos. Isso os hospitais pequenos podem fazer.

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