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A aniversariante Porto Alegre tem seus extremos

Nesta quinta-feira, data em que a Capital dos gaúchos completa 243 anos, o jornal presta uma homenagem à cidade

A aniversariante Porto Alegre tem seus extremos Mateus Bruxel/Agencia RBS

Foto: Mateus Bruxel / Agencia RBS

Nesta quinta-feira, data em que a Capital dos gaúchos completa 243 anos, o jornal presta uma homenagem à cidade fundada em 26 de março de 1772 como Freguesia de São Francisco do Porto dos Casais e que ganhou do imperador Dom Pedro II, em 1821, o status de cidade. Nas histórias de cinco moradores, são apresentados os extremos de uma Capital que hoje tem mais de 1,4 milhão de habitantes, segundo o Censo IBGE de 2010.





Morro Santana: o ponto mais alto




É de cima do "povo do morro", um conjunto de dez rochas graníticas que receberam este apelido dos moradores da Vila Laranjeiras, que o pintor e líder comunitário Nilceu Martins Figueiredo, 58 anos, fica ainda mais nas alturas do Morro Santana, entre as zonas Norte e Leste. Não satisfeito com os 311m acima do mar, que dão ao morro o título de ponto mais alto da cidade, Nilceu brinca que é preciso subir nas pedras. 



– Este lugar é um paraíso no meio dos prédios que foram se formando no entorno do morro – justifica.



Há 36 anos, quando chegou à vila que se formou onde antes era uma fazenda repleta de árvores frutíferas que hoje dão nome à comunidade, Nilceu ainda via os voos de asa-delta que saiam da rampa construída acima de uma antiga pedreira.



– Pareciam passarinhos. Pousavam do outro lado da Avenida Protásio Alves ou até na própria vila, perto do antigo campo do Cruzeiro – recorda.



Mas a ocupação irregular e a insegurança no entorno do Morro, a partir da década de 1990, acabaram afugentando os "passarinhos" admirados por Nilceu. Ele teme que as ocupações e novas construções possam consumir o que ainda resta de beleza natural dos cerca de 1 mil hectares do Santana. Segundo estudo da Ufrgs, a região está inserida no bioma Mata Atlântica. 



A própria Ufrgs é detentora de 600 hectares do morro, onde 321 deles são uma unidade de conservação. O restante é aberto ao público, mesmo sendo de difícil acesso. Para Nilceu e os moradores da Vila Laranjeiras chegarem ao topo costumam atravessar os obstáculos naturais, como mata fechada e pedras. Mas a dificuldade tem prêmio no final.



– De cima, a cidade fica mais bonita e em silêncio. Encontro paz aqui – resume Nilceu. 







 

Tia Maria entre as árvores que ajudou a plantar na praça do Rubem Berta

Foto: Mateus Bruxel




Rubem Berta: o bairro mais populoso



No cenário avistado de cima do Morro Santana, uma área se destaca entre a quantidade de prédios existentes na Zona Norte na cidade: o conjunto habitacional Rubem Berta. Se fosse uma cidade gaúcha, o conglomerado de 4.994 apartamentos distribuídos em 39 núcleos estaria na 21ª posição entre as mais populosas. Juntos, eles abrigam 40 mil dos 87.367 moradores do bairro, segundo o Censo do IBGE de 2010. 



Ocupada em abril de 1987, a área foi ocupada por mais de 3 mil famílias em abril de 1987. Entre elas, estava a da auxiliar de enfermagem aposentada Maria Inácia Mateus, 76 anos. 



Para ter a primeira casa própria, Maria Inácia transferiu-se com o marido e a filha do aluguel no Bairro Partenon para o quarto andar de um apartamento no núcleo 27. Viúva há 15 anos, hoje mora sozinha – a filha casou e mudou-se para outra região. Mas a solidão não acompanha a idosa, que se diz uma apaixonada pelo lugar onde mora. A dedicação é tanta que Maria Inácia atua há mais de uma década na associação de moradores, é representante local do Conselho Municipal de Saúde e ainda acumula a função de síndica do núcleo. 



— Faço qualquer coisa pelo bairro. Estou sempre na rua, auxiliando que necessita —  comenta, aos risos. 



Basta uma caminhada pelas avenidas do conjunto para ver a popularidade de Tia Maria, como é carinhosamente chamada na vizinhança. Até na praça improvisada nos fundos do posto de saúde há um toque dela: parte das árvores foram plantadas pela dedicada moradora. 



— Me entristece quando falam que o nosso bairro é violento. O Rubem Berta é gigante e nem tudo acontece dentro do conjunto habitacional. Só quem mora aqui sabe como é bom ver da janela de casa as crianças brincando na rua, o Morro do Chapéu (entre Gravataí e Sapucaia do Sul) ao fundo e as luzes acesas à noite — resume. 





 

Lotar na praça vazia do bairro

Foto: Mateus Bruxel




Anchieta: o menor bairro



A quantidade de moradores existentes no menor bairro da Capital não ocuparia todos os apartamentos do núcleo 27 do conjunto habitacional Rubem Berta, onde mora Tia Maria. No Anchieta, divisa com Canoas, apenas 147 pessoas continuam morando naquele que nasceu residencial, no final dos anos 1960, e tornou-se industrial, a partir da década seguinte. 



— Todos os dias, meu desafio é manter a qualidade de vida de quem continua apostando no bairro — afirma Lotar Adalberto Markus, 68 anos, um dos primeiros moradores e fundador e presidente pela oitava vez da Associação de Moradores do Anchieta.



Composto por apenas duas grandes avenidas e outras dez ruas, o Anchieta tornou-se estratégico para as empresas por estar ao lado da Freeway e da BR-290. O vazio do bairro é visto durante o dia nas calçadas e na praça Jorge Godofredo Felizardo: ninguém nas ruas, além do vaivém de carros e caminhões. A maior movimentação ocorre entre 12h e 13h, horário de almoço dos funcionários das empresas. 



— A população está envelhecendo. Fiz uma reunião da associação e descobri que temos 23 viúvos. São mais de 15% dos nossos moradores — surpreende-se o presidente.



A falta de vizinhança acaba criando características próprias no bairro, como não ter farmácias e academias de ginástica. Até a única linha de ônibus diminuiu a quantidade de horários por conta da falta de passageiros.  



— A situação não é de rir, é de chorar. Mas enquanto eu tiver saúde, continuarei lutando pelo bairro – garante Lotar.





 

Mauri na área rural da cidade

Foto: Mateus Bruxel




Caminhos rurais: o ponto turístico menos visitado



Se o Anchieta tornou-se um bairro quase esquecido por quem procura Porto Alegre para morar, há um ponto turístico da cidade que passa pela mesma situação. Encravada entre o Sul e o Extremo-Sul da Capital, a Rota Caminhos Rurais é a menos visitada de Porto Alegre, de acordo com levantamento da Secretaria Municipal de Turismo. Criada há dez anos, a rota envolve 40 propriedades e oferece atividades de lazer junto ao ambiente rural, à produção de vinhos, de plantas ornamentais, de frutas, de pesca e passeios a cavalo. Nem assim, consegue atrair a curiosidade de quem chega ao balcão de atendimento da Secretaria pedindo dicas sobre o Parque da Redenção, o ponto turístico mais visitado da cidade. 



— Os próprios moradores desconhecem o universo que existe deste lado de Porto Alegre. Acham que já viram tudo ao passarem pelas estradas, mas jamais entraram nas propriedades — comenta Mauri Webber, proprietário do Sítio do Mato, no Bairro Belém Velho, e um dos responsáveis pelos Caminhos Rurais. 



Ex-representante comercial, Mauri saiu da área central de Porto Alegre há duas décadas para viver com a família entre árvores frutíferas, animais silvestres e o cheiro do mato num trecho da Estrada do Rincão, que corta o Extremo-Sul da Capital. Depois de fazer um curso de guia turístico, ele resolveu abrir a propriedade para visitações. Aos poucos, especializou-se no turismo pedagógico para crianças e passou a receber escolas e grupos. 



— O problema é que poucos se interessam por esta atividade, e ela é sazonal. No frio, nem adianta tentar. As pessoas não vêm mesmo. Ou seja, temos três ou quatro meses do ano para atrair turistas — diz Mauri. 





 

José Carlos na nova paixão: a pesca

Foto: Mateus Bruxel




Lami: o mais distante do Centro



Vizinho do roteiro turístico menos visitado de Porto Alegre, o pescador José Carlos Gonçalves Neves, 58 anos, garante ter encontrado equilíbrio ao mudar-se para o Lami, a 35km da área central, em 2000. No mesmo ano, abandonou a carreira policial como inspetor de polícia. Ele pretendia tornar-se comerciante no Lami, mas a proximidade com o Guaíba o fez mudar de ideia.



— Aqui refiz a minha vida. Me tornei pescador — revela, faceiro.



Por conta da distância, o Lami tem apenas 4.642 moradores e mantém características rurais com um ritmo mais lento do que os bairros urbanizados. José Carlos garante que o amor pelo bairro mais distante do Paço Municipal começou ainda na adolescência, quando esperava ansiosamente pelo final de semana. Era aos domingos que ele e os colegas do supermercado onde trabalhava reuniam-se para ir à praia do Lami.



— Não existiam ruas pavimentadas e a faixa de areia seguia até a Avenida Beira-Rio – recorda.



A transformação na vida de José Carlos, proporcionada pelo bairro escolhido por ele para viver, vai além da questão profissional. Quando transferiu-se para o Lami, o pescador tinha se separado. Na nova morada, ele acabou conhecendo Isabel Cristina Salser, 53 anos, com quem casou-se e mantém um bar na orla. 



— No Lami, mudei de profissão, encontrei um novo amor e até comprei um sítio, que era um sonho de muitos anos. Não sinto falta da área urbana. Sou feliz aqui — garante José Carlos.

Zero Hora

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