Pesquisar
Close this search box.

Novíssima Lei nº 13.654/2018 – Estouros de caixas eletrônicos. Um golpe contra o Novo Cangaço?

Por Jeferson Botelho Pereira, Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015.

Lei 13.654/2018. Crimes contra o patrimônio. Furto. Roubo. Qualificadoras. Causas de Aumento de Pena. Uso de Explosivos. Estouros de caixas eletrônicos. Novo Cangaço. Lei nº 7.102/83. Exigências bancárias. Dispositivos eletrônicos. Cédulas. Inutilização. Crime de explosão.

RESUMO. O presente texto tem por escopo precípuo analisar a novíssima Lei nº 13.654/2018, em vigor a partir de 24 de abril de 2018.  O novo comando normativo altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal), para dispor sobre os crimes de furto qualificado e de roubo quando envolvam explosivos e do crime de roubo praticado com emprego de arma de fogo ou do qual resulte lesão corporal grave e altera a Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, para obrigar instituições que disponibilizem caixas eletrônicos a instalar equipamentos que inutilizem cédulas de moeda corrente.

Entrou em vigor exatamente hoje, dia 24 de abril de 2018, a Lei nº 13.654/2018, que modifica o sistema sancionatório dos crimes de furto e roubo, art. 155 e 157 do Código Penal, sobretudo, na criação de qualificadoras e de causas de aumento de pena para diversas modalidades desses crimes contra o patrimônio, notadamente, aqueles cometidos com uso de explosivos para estouros de caixas eletrônicos, fruto de um modismo criminoso desencadeado pela recente organização criminosa denominada Novo Cangaço.

O novo comando normativo também obriga bancos a instalarem dispositivos de inutilização de cédulas em caso de arrombamento, movimento brusco ou alta temperatura, modificando, destarte, a Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983.

O texto tem origem no Substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD) nº 1/2018 ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 149/2015.

Destarte, com a nova lei, os crimes definidos nos artigos 155 e 157 do Código Penal passaram a seguinte redação:

“Art. 155. ……………………. ………………………………………….

  • 4º-A – A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
  • 7º – A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.”(NR)

“Art. 157. ……………………… ………………………………………….

  • 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade:

I – (revogado); ………………………………………….

VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.

  • 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

  • 3º Se da violência resulta:

I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa;

II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa.”(NR)

A novíssima Lei nº 13.654/2018, também modificou a redação da Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, que passa a vigorar acrescida do seguinte art. 2º-A:

“Art. 2º-A – As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, que colocarem à disposição do público caixas eletrônicos, são obrigadas a instalar equipamentos que inutilizem as cédulas de moeda corrente depositadas no interior das máquinas em caso de arrombamento, movimento brusco ou alta temperatura.

  • 1º Para cumprimento do disposto no caput deste artigo, as instituições financeiras poderão utilizar-se de qualquer tipo de tecnologia existente para inutilizar as cédulas de moeda corrente depositadas no interior dos seus caixas eletrônicos, tais como:

I – tinta especial colorida;

II – pó químico;

III – ácidos insolventes;

IV – pirotecnia, desde que não coloque em perigo os usuários e funcionários que utilizam os caixas eletrônicos;

V – qualquer outra substância, desde que não coloque em perigo os usuários dos caixas eletrônicos.

  • 2º Será obrigatória a instalação de placa de alerta, que deverá ser afixada de visível no caixa eletrônico, bem como na entrada da instituição bancária que possua caixa eletrônico em seu interior, informando a existência do referido dispositivo e seu funcionamento.
  • 3º O descumprimento do disposto acima sujeitará as instituições financeiras infratoras às penalidades previstas no art. 7º desta Lei.
  • 4º As exigências previstas neste artigo poderão ser implantadas pelas instituições financeiras de maneira gradativa, atingindo-se, no mínimo, os seguintes percentuais, a partir da entrada em vigor desta Lei:

I – nos municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes, 50% (cinquenta por cento) em nove meses e os outros 50% (cinquenta por cento) em dezoito meses;

II – nos municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) até 500.000 (quinhentos mil) habitantes, 100% (cem por cento) em até vinte e quatro meses;

III – nos municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, 100% (cem por cento) em até trinta e seis meses.

A nuper lei entrou em vigor na data de sua publicação, com revogação expressa do inciso I do § 2º do art. 157 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal).

Na sua justificativa, o autor do projeto salienta:

Os assaltos a agências bancárias com o emprego de explosivos têm crescido significativamente no Brasil. No Paraná, foram registrados ocorrências em 2014. Em Alagoas, de um total de 40 assaltos (de janeiro a outubro), 30 aconteceram com o uso de explosivos. São Paulo é dos estados mais afetados por esse tipo de roubo a caixas eletrônicos. Só em janeiro de 2015 foram 28 ocorrências. Com a presente proposta, propomos um aumento de pena de 2/3 para os casos de emprego de arma de fogo (nesses casos, o Código Penal em vigor só prevê aumento de até metade) ou de explosivo ou artefato análogo (hipótese não prevista no Código). Para preservar a proporcionalidade, tivemos que aumentar a pena para o crime de roubo de que resulta lesão corporal grave. Esperamos, com essa alteração, contribuir para a redução das ocorrências, deixando o custo do cometimento do crime mais caro para o infrator”.

DOS COMENTÁRIOS PERTINENTES.

1ª MODIFICAÇÃO

A nova lei cria duas modalidades de furto qualificado nos §§ 4º-A e 7º, do artigo 155 do Código Penal, in verbis:

  • 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
  • 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.”(NR)

Assim, na prática do furto, de acordo com o § 4º -A, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum, a pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, portanto, cumulativa, devendo para caracterizar a qualificadora, a existência de perigo comum, ou seja, o desencadeamento de um perigo capaz de gerar perigo a um número indeterminado de pessoas.

Por sua vez, o § 7º, define que no crime de furto, a pena será de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.

Nesta qualificadora, a conduta do autor se recai no objeto material do crime, diferente da qualificadora anterior, que incide na conduta operacional em face dos modus operandi dos criminosos.

2ª MODIFICAÇÃO

A segunda modificação se deu em torno da estrutura do artigo 157 do Código Penal.

Logo, o legislador revogou o § 2º, inciso I, art. 157, CP,  causa de aumento de pena deste delito, quando houvesse emprego de arma, fazendo um deslocamento normativo desta causa para o § 2º-A, adotando o princípio da continuidade normativa, sem se falar em abolitio criminis, conforme veremos a seguir.

Em contrapartida, o § 2º, do artigo 157, ganhou uma nova causa de aumento de pena, desta vez, inserindo o inciso VI, aumentando a pena de 1/3 (um terço) até metade se e quando a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.

A nova ordem jurídica cria o § 2º-A, no artigo 157 do CP, aumentando a pena em  2/3 (dois terços), nas seguintes hipóteses:

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

Percebe-se, de pronto, que constitui causa de aumento de pena para o crime de roubo se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo, deslocada que foi para este parágrafo inovador, deixando de aumentar a pena em fração variável de 1/3 até a metade para uma fração fixa da ordem de 2/3 (dois terços).

O § 3º do artigo 157 também sofreu modificação significativa. Agora as hipóteses de violência são tratadas em dois incisos.

Nesta toada, no inciso I, se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa.  Por aqui houve modificação na pena máxima, que deixa de ser de 15 anos e passa a ser de 18 anos de reclusão.

No § 3º, inciso II, se da violência resulta morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa.

Desta feita a modalidade latrocínio agora é tratada no § 3º, inciso II, do Código Penal.

3ª MODIFICAÇÃO

A terceira e última modificação se deu em torno da Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências.

Assim, o artigo 2º-A, da Lei em epígrafe passa a exigir que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, que colocarem à disposição do público caixas eletrônicos, são obrigadas a instalar equipamentos que inutilizem as cédulas de moeda corrente depositadas no interior das máquinas em caso de arrombamento, movimento brusco ou alta temperatura.

Para cumprimento do disposto na nova exigência, as instituições financeiras poderão utilizar-se de qualquer tipo de tecnologia existente para inutilizar as cédulas de moeda corrente depositadas no interior dos seus caixas eletrônicos, tais como:

I – tinta especial colorida;

II – pó químico;

III – ácidos insolventes;

IV – pirotecnia, desde que não coloque em perigo os usuários e funcionários que utilizam os caixas eletrônicos;

V – qualquer outra substância, desde que não coloque em perigo os usuários dos caixas eletrônicos.

Será obrigatória a instalação de placa de alerta, que deverá ser afixada de visível no caixa eletrônico, bem como na entrada da instituição bancária que possua caixa eletrônico em seu interior, informando a existência do referido dispositivo e seu funcionamento.

O descumprimento do disposto acima sujeitará as instituições financeiras infratoras às penalidades previstas no art. 7º Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, ou seja, advertência, multa e interdição do estabelecimento.

As novas exigências previstas poderão ser implantadas pelas instituições financeiras de maneira gradativa, atingindo-se, no mínimo, os seguintes percentuais, a partir da entrada em vigor da lei:

I – nos municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes, 50% (cinquenta por cento) em nove meses e os outros 50% (cinquenta por cento) em dezoito meses;

II – nos municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) até 500.000 (quinhentos mil) habitantes, 100% (cem por cento) em até vinte e quatro meses;

III – nos municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, 100% (cem por cento) em até trinta e seis meses.

DAS OBSERVAÇÕES PERFUNCTÓRIAS.

I – A primeira observação é no sentido de que a nova Lei nº 13.654/2018 não pode retroagir para alcançar fatos passados, em razão da irretroatividade da lei penal mais gravosa, consoante artigo 5º, inciso XL, da Constituição da República de 1988.

II  – Por sua vez, a segunda observação pode apresentar sérios problemas de ordem doutrinária e jurisprudencial.

Senão vejamos. A nova lei também incorporou modificações na Lei nº 7.102/83, obrigando os bancos a instalarem em seus caixas eletrônicos tecnologias que inutilizem as cédulas em caso de arrombamento, movimento brusco ou alta temperatura.

As novas exigências deverão todas ser cumpridas em até 03 anos, conforme a população dos municípios onde estão instaladas as agências bancárias.

Assim, com a obrigatoriedade da instalação de equipamentos nos caixas eletrônicos à disposição do público, que inutilizem as cédulas de moeda corrente depositadas no interior das máquinas em caso de arrombamento, movimento brusco ou alta temperatura, certamente o objeto material do crime de furto ou roubo, no caso, as cédulas, se tornarão impróprias para a circulação perdendo o seu valor intrínseco.

E aqui não custa nada perguntar. Uma vez destruídas todas as cédulas, em face dos dispositivos eletrônicos instalados nos caixas eletrônicos, a conduta dos autores se tornaria atípica em face da absoluta impropriedade do objeto, conforme artigo 17 do Código Penal?

Sendo atípica a conduta dos autores em razão da absoluta impropriedade do objeto, no crime relativo ao estouro de caixas eletrônicos, furto ou roubo, art. 155 e 157, respectivamente, Código Penal, a autoridade policial poderia autuá-los por crime de organização criminosa do artigo 2º da Lei nº 12.850/2013?

Outra pergunta: Poderiam os autores ser autuados em crime de associação criminosa, artigo 288 do Código Penal Brasileiro?

A meu juízo, se nas ações criminosas de estouro de caixas eletrônicos, todas as cédulas são destruídas, a conduta se tornaria atípica, diante da absoluta impropriedade do objeto, artigo 17 do Código Penal, em contrapartida, se sobrarem algumas cédulas intactas ou com seu valor intrínseco ainda preservado, a impropriedade do objeto passa a ser relativa e o crime, logicamente persistirá com todas as suas elementares, além da possibilidade da incidência do concurso material, artigo 69 do Código Penal, com o crime de organização criminosa ou associação criminosa, conforme a hipótese concreta.

Noutra toada, no momento da prisão, em havendo indícios suficientes de autoria e prova da materialidade dos crimes de organização criminosa ou associação criminosa, em especial, subtratos probatórios da conduta permanente e estável, do liame subjetivo dos autores, da relevância causal de cada conduta, além das demais elementares estruturantes do tipo penal, caberá a autoridade policial determinar a autuação dos autores na forma da legislação pertinente.

Por fim, em havendo a destruição total das cédulas e não tendo condições de produção probatória dos crimes de concurso necessário, ou seja, organização criminosa ou associação criminosa, é possível subsistir a conduta ilícita do crime de explosão prevista no artigo 251 do Código Penal, crime contra a incolumidade pública, consistente em expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos, cuja pena é de  reclusão, de três a seis anos, e multa. Se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos, a pena será de reclusão, de um a quatro anos, e multa.

DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

É certo que as ações das organizações criminosas em torno de crime de estouro de caixas eletrônicos com uso de explosivos têm aterrorizado a população das grandes, médias e pequenas cidades em todo o país, trazendo diversos prejuízos de ordem moral e econômica para a sociedade.

Claramente, a Lei nº 13.654/2018 veio para tentar minimizar esse grande terror que a sociedade brasileira tem enfrentado, e se for no norte de Minas Gerais, no Vale do Mucuri ou no Vale do Jequitinhonha, aí é que a situação se agrava, pois praticamente grande maioria dos pequenos municípios já sofreu ataques dessas quadrilhas, algumas cidades já foram atacadas por mais de uma vez num curto espaço de tempo.

Os criminosos, usando-se de táticas de guerrilha, invadem em especial as pequenas cidades, geralmente em número bem superior dos componentes das agências de Segurança Pública, usam armamentos mais potentes que os órgãos de segurança, atiram contra as instalações da polícia, interrompem comunicações, colocam obstáculos na rota de fuga, na evasão usam pessoas como escudos humanos e deixam um rastro de destruição e medo por toda a cidade, além de deixar desmoralizado todo o sistema de persecução criminal.

Certamente, que o comando normativo por si só não terá o poder absoluto de enfrentamento efetivo às grandes organizações do Novo Cangaço. É preciso inevitavelmente, investir em logística e no policial, sobretudo, dando-lhe melhores condições em equipamentos bélicos e de segurança pessoal, além de lhe proporcionar maior segurança jurídica em suas ações na intransigente defesa da sociedade.

Por fim, é importante salientar que o legislador tem mudado constantemente as leis penais na tentativa por meio de uma lei fria, num pedaço de papel, de conter os terríveis e efervescentes problemas de Segurança Pública no país, mas não podem se esquecer de atualizar outras leis conexas e esparsas que ficam ultrapassadas com a modificação legislativa.

Agora por exemplo, o crime de latrocínio que é previsto no rol dos crimes hediondos, artigo 1º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, (latrocínio (art. 157, § 3o, in fine), deveria ter sido atualizado, porque a partir de hoje, a previsão será no artigo 157, § 3º, inciso II, e não mais na parte final do § 3º, do artigo 157, do Código Penal.

 

Categorias

Categorias

Arquivos

Arquivos